Princípio do direito de
recusa obreiro e rescisão indireta do contrato de trabalho
A legítima defesa exercida pelo empregado durante a constância do contrato, ou em outras palavras - direito de resistência (ius resistentiae), tem o intuito de impedir a consecução de ordens manifestamente ilícitas, encontrando guarida legal nas disposições contidas nos arts. 5º, inc. II, da CF/88, e 188, inc. I, do CC/02. Ao trabalhador, portanto, é dada a prerrogativa de interromper a prestação dos serviços, quando estiver exposto a perigo iminente ou grave para a sua própria vida ou saúde, inclusive de outrem, sem que isto resulte em penalidades ou descontos salariais.
Oportuno o registro de disposições específicas
contidas na Convenção 155 da OIT:
Artigo 13. De
conformidade com a prática e as condições nacionais, deverá ser protegido, de
consequências injustificadas, todo trabalhador que julgar necessário
interromper uma situação de trabalho por considerar, por motivos razoáveis, que
ela envolve um perigo iminente e grave para sua visa ou sua saúde.
Art. 19. Deverão ser adotadas disposições, em nível
de empresa, em virtude das quais: (...) f) o trabalhador informará
imediatamente o seu superior hierárquico direto sobre qualquer situação de
trabalho que, a seu ver e por motivos razoáveis, envolva um perigo iminente e
grave para sua vida ou sua saúde; enquanto o empregador não tiver tomado
medidas corretivas, se forem necessárias, não poderá exigir dos trabalhadores a
sua volta a uma situação de trabalho onde exista, em caráter contínuo, um
perigo grave ou iminente para sua vida ou sua saúde.
Nesse
mesmo sentido, tem-se a prescrição contida na Norma Regulamentadora nº 1 do
Ministério do Trabalho e Emprego:
NR-1 - DISPOSIÇÕES GERAIS E GERENCIAMENTO DE RISCOS
OCUPACIONAIS
1.4.3 O trabalhador poderá interromper suas
atividades quando constatar uma situação de trabalho onde, a seu ver, envolva
um risco grave e iminente para a sua vida e saúde, informando imediatamente ao
seu superior hierárquico.
1.4.3.1 Comprovada pelo empregador a situação de
grave e iminente risco, não poderá ser exigida a volta dos trabalhadores à
atividade enquanto não sejam tomadas as medidas corretivas.
Logicamente
que a desobediência obreira deve embasar-se em motivos objetivos e razoáveis
aptos a justificar a sua legitimidade frente à obrigação contratual de
prestação dos serviços. Assim, deverá haver a interrupção das tarefas laborais
sempre que se constatar evidências de riscos graves e iminentes para a saúde e segurança
dos funcionários, comunicando imediatamente o fato ao superior hierárquico, que
diligenciará as medidas cabíveis. Do contrário, a inobservância das instruções
expedidas pelo empregador, mediante recusa injustificada, constitui ato faltoso
do empregado, nos termos do art. 158, parágrafo único, da CLT.
Por
outro lado, sabe-se que a relação de trabalho, negócio jurídico sinalagmático
que é, caracteriza-se pela existência de direitos e deveres recíprocos entre as
partes envolvidas. Como não poderia ser de outro modo, é cediço que o
descumprimento de obrigações dentro dessa relação produz efeitos variados, que
podem resultar na quebra da fidúcia existente entre as partes e,
consequentemente, chegar à situação extrema de término do ajuste.
Nessa
dialética que se estabelece no contrato individual de trabalho, o poder
diretivo (intraempresarial) é prerrogativa decorrente deste pacto para
determinar o “modus operandi” da prestação dos serviços dentro da dinâmica e
estrutura empresariais. Em contrapartida, a subordinação pode ser conceituada
como uma situação jurídica, derivada da relação de emprego, em decorrência da
qual o trabalhador acata as ordens oriundas do poder diretivo, integrando a sua
atividade laborativa à dinâmica empresarial.
Nesse
contexto, essa situação jurídica oriunda do contrato não cria, todavia, um
estado de sujeição do trabalhador aos desmandos de seu empregador, na medida em
que aquele ainda é detentor de direitos e garantias fundamentais, devendo
tê-los respeitados nesta relação assimétrica, incidindo aqui o que se chama de
“eficácia diagonal” . É dizer também que a função social do contrato de
trabalho, advinda de interpretação prospectiva do art. 421 do CC/02, se reveste
de mecanismo tonificante de solidariedade, influindo diretamente na
implementação da dignidade do homem no ambiente laboral.
Portanto, defendemos aqui a apropriação do direito de recusa em situação de rescisão indireta, com enquadramento na hipótese legal descrita no art. 483, alínea c, da CLT - correr perigo manifesto de mal considerável. Assim, caso o empregado esteja diante de um desarranjo suficientemente grave no meio ambiente de trabalho, com prejuízos à sua incolumidade física e mental, se possível mediante registro em “formulário de recusa de tarefa”, poderá interromper sua prestação de serviços com a consequente postulação judicial de rescisão indireta do contrato de trabalho.
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AMORIM JUNIOR, Cléber Nilson.
Segurança e saúde no trabalho: princípios norteadores. 3 ed. São Paulo: LTr,
2021.
JOSÉ FILHO, Wagson Lindolfo. Sede de proteção: o fornecimento de água potável como garantia de um meio ambiente do trabalho sustentável. Brasíla-DF: Editora Venturoli, 2021.
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