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segunda-feira, 29 de março de 2021

Greve sanitária: reivindicação sindical de promoção da higiene laboral


Greve sanitária: reivindicação sindical de promoção da higiene laboral

A greve é um mecanismo drástico de reivindicação de direitos fundamentais trabalhistas reconhecido pelo ordenamento jurídico-constitucional (art. 9º da CF/88), encarnado como autêntico exercício da autotutela coletiva. Como definido na Lei 7.783/1989, trata-se da “suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”.

No prolongar da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19), com estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, ainda mais por conta das diversas variantes já identificadas (segunda onda), muitos questionamentos surgem no que diz respeito à possibilidade da chamada “greve sanitária”. Qual o conceito deste instituto? É legal este movimento paredista? Sua motivação tende a ser validada pelos órgãos jurisdicionais? Há legitimidade individual e coletiva para promover tal paralisação? Quais os efeitos jurídicos daí resultantes?

Como se sabe, a pandemia de COVID-19 é uma verdadeira crise sanitária que provocou (e ainda provoca) graves prejuízos humanitários, inclusive com o colapso no sistema de saúde em inúmeras localidades. De fato, vive-se, neste quadrante da história, em um tempo crítico com a imposição de uma retração econômica decorrente do alastramento da enfermidade e com o aumento vertiginoso das desigualdades sociais.

Cediço que a transmissão do novo coronavírus ocorre por meio de contato interpessoal próximo (gotículas de saliva, espirro e tosse), principalmente em locais com grande circulação de pessoas (aglomeração) e sem a devida assepsia (lavagem das mãos e utilização de álcool em gel), sendo que os primeiros sintomas se manifestam entre 2 a 14 dias. Tirante as situações de trabalho remoto, a maioria dos locais de trabalho passa a ser considerado um vetor de contágio em potencial.

Necessário o perscrutamento do que se entende por “sanitário”. Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, trata-se de adjetivo, originado do francês sanitaire, relativo à saúde e higiene. Etmologicamente, deriva do latim sanus: com boa saúde, são e em bom estado. Noutras palavras, busca-se garantir a conservação da saúde pública, sobretudo com a adoção de medidas relacionadas com higiene e saneamento básico.

Há duas espécies de medidas preventivas interligadas no meio ambiente do trabalho: I) Segurança, que nada mais é do que um aglomerado de técnicas focadas em educação, psicologia e medicina para a prevenção de acidentes, buscando a utilização de equipamentos adequados para evitar lesões ou possíveis perdas; e II) Higiene, a qual tem por escopo o controle dos agentes prejudiciais do ambiente (físicos, químicos e biológicos) para a manutenção da saúde no seu sentido mais amplo, encontrando-se ligada ao diagnóstico e à prevenção das doenças ocupacionais.

Desse modo, constata-se facilmente que o desarranjo da gestão sanitária verificado na constância da relação de emprego é fator deletério que atinge tanto as condições de trabalho (ambiente físico, químico e biológico) quanto à própria organização do trabalho (distribuição de tarefas e responsabilidades) no aspecto mais intrínseco de higiene no meio ambiente do trabalho (limpeza e asseio). Isto é, mesmo diante de um contexto generalizado de contaminação (epidemia), ainda assim o trabalho atua como um relevante contributo, a depender da natureza do ramo da atividade empresarial e da dinâmica administrativa implementada, para a disseminação da doença. Lida-se, portanto, com um nítido instituto de Direito Ambiental do Trabalho.

Pode-se traduzir a greve sanitária, espécie de greve ambiental, como aquele movimento paredista que tem como escopo reivindicatório a instauração de uma política específica e eficaz de higiene no local de trabalho, buscando extirpar, de forma preventiva e repressiva, os riscos de contaminação entre os empregados de doenças transmitidas por agentes físicos, químicos e biológicos. Seu campo de atuação é mais reduzido e busca coibir a ocorrência de prejuízos advindos de riscos invisíveis e insidiosos.

Nos dias atuais, os casos mais emblemáticos que podem justificar esta cessação coletiva de trabalho se referem exatamente ao descumprimento injustificado pelo empregador de medidas restritivas de prevenção da COVID-19, como, por exemplo, o funcionamento clandestino de atividades não essenciais (desrespeito ao lockdown), bem como o não fornecimento aos empregados de equipamentos essenciais de proteção e assepsia (máscaras, luvas, água tratada, sabão e álcool em gel), conforme diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Para que seja imputada a legitimidade e legalidade da greve sanitária, tem-se por imprescindível a comprovação da frustração de negociação anterior com o polo patronal (art. 3º da Lei 7.783/1989), bem como a demonstração de realização de assembleia geral para definir as exigências sindicais de melhores condições de saúde no trabalho. A pauta reivindicatória deve se circunscrever única e exclusivamente ao fornecimento de um meio ambiente do trabalho sadio e com a minimização dos riscos de contaminação, não abrangendo outras insurgências da categoria, sob pena de subversão do movimento.

Registra-se, desde logo, que não se admite a paralisação individual do trabalho travestida em suposta “greve sanitária”. Isso porque se trata de autêntico direito individual de expressão coletiva, ou seja, apesar de a titularidade do direito de greve pertencer ao indivíduo, ainda que não possa ser exercitada pelas pessoas isoladamente, pressupõe a atuação convergente ou concertada de uma pluralidade de sujeitos. Não quer dizer que não é dado ao empregado o direito (jus resistentiae) de não cumprir ordens ilícitas e que possam lhe causar perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde (art. 13 da Convenção 155 da OIT), mas sim a vedação à operacionalização individual da greve sanitária.

A greve sanitária, assim como a greve ambiental “lato sensu”, quando realizada de forma regular, é legítima, porque tem por finalidade a defesa da saúde e da qualidade de vida dos trabalhadores, garantindo inclusive o pagamento dos dias de paralisação, sem prejuízo, evidentemente, quer pela via negocial ou quer pela via judicial (artigo 7º da Lei 7.783/1989), da viabilização de outras medidas profiláticas no meio ambiente do trabalho questionado. Nesse mesmo sentido:

DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA EMPRESA LUMINI EQUIPAMENTOS DE ILUMINAÇÃO LTDA. PARALISAÇÃO DO TRABALHO DEFLAGRADA PELA CATEGORIA PROFISSIONAL POR REIVINDICAÇÃO DE MELHORES CONDIÇÕES AMBIENTAIS DE TRABALHO ATRELADAS À SAÚDE DOS EMPREGADOS. NÃO ABUSIVIDADE DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE. Constatado que foram observados os aspectos formais estabelecidos na lei, não se declara a abusividade da paralisação do trabalho que foi motivada por reivindicações da categoria que cuidam de benefícios diretamente atrelados à saúde do trabalhador, circunstância que se amolda ao quadro de excepcionalidade reconhecido pela jurisprudência predominante desta corte para justificar o exercício do direito constitucional da greve. PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DOS DIAS DE PARALISAÇÃO. CABIMENTO. Segundo a jurisprudência predominante na Corte, a greve configura a suspensão do contrato de trabalho, e, por isso, como regra geral, não é devido o pagamento dos dias de paralisação. Exceto quando a questão é negociada entre as partes ou em situações excepcionais, como na paralisação motivada por descumprimento de instrumento normativo coletivo vigente, não pagamento de salários e más-condições de trabalho. No caso, a greve foi motivada por reivindicação de melhores condições de trabalho na busca de benefícios diretamente atrelados à saúde do trabalhador, situação excepcional admitida pela jurisprudência, que, se motivadora da paralisação dos serviços, justifica a decretação do pagamento dos dias parados. Recurso ordinário não provido. (TST; RO-6250-87.2011.5.02.0000; Rel. Ministra Kátia Magalhães Arruda, julgado em 17/2/2014)

Por derradeiro, em momentos de crise é que o Direito do Trabalho demonstra o seu papel de protagonismo, com a manutenção dos empregos aliada à circulação de produção e renda. Neste cenário, o intérprete deve verificar a dinâmica laboral sob uma ótica diferenciada, admitindo certa ponderação de garantias constitucionais para a promoção da saúde individual e coletiva dentro da relação empregatícia, de modo que a “greve sanitária” pode ser considerado importante instrumento dissuasório diante do abuso patronal e na contenção da disseminação do coronavírus.

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HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. São Paulo: Editora Positivo, 2010.

MELO, Raimundo Simão de. Reflexões trabalhistas: Greve ambiental e o pagamento dos dias parados. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-mar-02/reflexoes-trabalhistas-greve-ambiental-pagamento-dias-parados>. Acesso em: 28 mar. 2021.

TST; RO-6250-87.2011.5.02.0000; Rel. Ministra Kátia Magalhães Arruda, julgado em 17/2/2014.


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