Mulher
acreana
Negar
que vivemos em uma sociedade machista é tapar os ouvidos para o
obvio ululante. Mulheres corriqueiramente são vítimas de assédio,
independentemente da classe e da condição social. A bem da verdade,
o império da força e a estigmatização sexual ainda vicejam em
muitos ambientes corporativos espalhados pelo Brasil.
Uma
das reclamatórias mais delicadas para um juiz do trabalho diz
respeito à averiguação de assédio sexual. Necessário ter
expertise e sutiliza diferenciadas no trato destas ocorrências, tudo
para não vilipendiar novamente a vítima ou solapar de forma
precipitada o bom empregador. Muito desconfortável a situação do
magistrado!
Bom,
naquele dia deparei-me como uma audiência de instrução na qual se
pretendia comprovar supostas práticas deste tipo de crime. A
exordial expôs minuciosamente as constantes ameaças sorrateiras e
gestos sexistas vertidos em desfavor da reclamante. A narrativa
inegavelmente era de difícil comprovação, daí a atenção
especial para a colheita da prova oral.
-
É que sou mulher acreana!
Foi
exatamente o que a autora confidenciou, quando de seu depoimento
pessoal, ao ser inquirida sobre a possível motivação do assédio
sexual por ela sofrido. Ao falar naquele momento, ela resplandecia um
nítido sentimento de asco e ojeriza em relação ao antigo gerente
da empresa que outrora laborava.
De
fato, a instrução se embasou em provas indiciárias. Nada mais
previsível, já que as condutas lascivas e assediadoras se davam no
completo isolamento entre a vítima e o agressor. Recordo-me que era
uma vigilante que propositalmente trabalhava em guaridas isoladas e
sentia calafrios por conta das constantes investidas de seu superior
hierárquico, naqueles momentos de troca de turnos e inspeção do
serviço.
Talvez
para outro julgador a referência “acreana” não surtisse maiores
efeitos na dinâmica probatória, mas não foi isso que ocorreu na
minha modesta percepção jurídica ao reconhecer a procedência do
pedido. Só quem conhece bem a realidade local sabe o preconceito e o esteriótipo sexista imposto nos rincões do Norte. Acho que aqui a
solução do caso refletiu bem os anseios e aspirações da região,
logicamente que sem descurar das provas constantes nos autos. O resto
virou poesia:
“Qual
parte do mundo esqueci
Quando
teus tímpanos escutam o som
Dos
meus soluços tristes
Os
oráculos da terra selvagem
Os
anseios da eterna viagem...
Busquei
olhar as estrelas e ver algum sinal
Do
ser sonhado, esperado, aguardado
A
noite se fez manto
Cobriu
meu pranto como acalanto
De
longe a brisa abismal...”
(Meu
pranto doído, por Luísa Lessa, poetisa acreana)
0 comentários:
Postar um comentário