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terça-feira, 26 de novembro de 2019

Acordos trabalhistas e a natureza das verbas nos termos do art. 832 da CLT (Lei 13.876/2019)


Acordos trabalhistas e a natureza das verbas nos termos do art. 832 da CLT (Lei 13.876/2019)

Foi publicada no dia 23.09.2019 a Lei 13.876/2019 que trouxe grande impacto na prática judiciária trabalhista. Referida lei inseriu os parágrafos 3º A e 3º B, no art. 832 da CLT que trazem disposições a respeito da natureza das verbas trabalhistas definidas em sentenças cognitivas ou homologatórias de acordo.

Em decorrência do impacto social e econômico dos novos dispositivos inúmeras opiniões vêm sendo emitidas a respeito da interpretação a ser aplicada a norma. Focaremos neste post apenas na possibilidade ou não de discriminação exclusivamente com verbas de caráter indenizatório nos acordos judiciais homologados antes da prolação de sentença de primeiro grau.

Para análise do dispositivo aplicaremos em parte a teoria do professor escocês Neil MacCormick a respeito de argumentação jurídica tratada em sua obra “Argumentação jurídica e interpretação do direito”.

Adiantamos que em pese sua teoria ter sido elaborada em um ambiente jurídico de Common Law, em sua obra o autor ressalta a possibilidade de aplicação da teoria ao regime francês de Civil Law, motivo pelo qual achamos perfeitamente aplicável ao ordenamento jurídico pátrio.

Para o autor escocês a norma pode ser aplicada por simples dedução, de acordo com o raciocínio silogístico de Aristóteles (se p, então se aplica q). Mas este tipo de aplicação está restrita às hipóteses mais simples do cotidiano jurídico. Para outras situações menciona a existência da necessidade da justificativa não dedutiva.

Neil MacCormick cita problemas que impedem a mera aplicação dedutiva da norma, identificando o problema de interpretação e o problema de pertinência.

Estaríamos diante de um problema de interpretação quando uma norma tem sua redação dúbia ou obscura, ao passo que teríamos um problema de pertinência quando não existe norma aplicável ao caso concreto.

Resta evidente que no presente caso estamos diante de problema de interpretação.

Em situações como esta temos a possibilidade de escolha de decisões rivais. No presente caso pode-se interpretar as normas contidas no art. 832 §§´s 3ºA e 3ºB como uma restrição total à homologação de acordos com discriminação da totalidade das verbas de natureza indenizatória ou na permissibilidade de tal prática.

A relevância é enorme, pois os juízos decididos resultarão em um modelo de conduta de toda a sociedade. De acordo com MacCormick para reforçar a tomada de uma alternativa viável e verdadeira para a sociedade são utilizados requisitos como: argumentação consequencialista; argumentação a partir da coerência; e argumentação a partir da coesão.

O magistrado deve estar consciente das consequências de sua decisão para a sociedade o que aplica a interpretação consequencialista.

Quanto à coerência, a interpretação deve fazer sentido no mundo fático e quanto à coesão, a interpretação deve estar de acordo com o sistema jurídico, não criando colisão com outras normas já vigentes.

Mais especificamente quanto à nova legislação trabalhista, nesta última semana estamos encontrando interpretações que aplicam principalmente as argumentações consequencialista, na medida em que a vedação à discriminação total das verbas de natureza indenizatória aumentaria a arrecadação dos cofres públicos o que também seria um argumento de coerência, porquanto faria sentido de acordo com o novo modo de “visão de mundo” aplicado atualmente, diante da adoção de modelo econômico predominantemente liberal do ponto de vista econômico.

Entretanto, não vem sendo encontrada uma argumentação aliada a coesão de todo o sistema jurídico.

Em que pese a insuficiência dos métodos clássicos de interpretação elucidados por Savigny (histórico, sistemático e gramatical) estes servem de início para qualquer análise e interpretação legislativa.

Vejamos a redação dos parágrafos inseridos no art. 832 da CLT pela Lei 13.867/2019 abaixo (inserimos o parágrafo 3º, pois os novos dispositivos fazem referência expressa a este):

§ 3o As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso.
§ 3º-A. Para os fins do § 3º deste artigo, salvo na hipótese de o pedido da ação limitar-se expressamente ao reconhecimento de verbas de natureza exclusivamente indenizatória, a parcela referente às verbas de natureza remuneratória não poderá ter como base de cálculo valor inferior:
I - ao salário-mínimo, para as competências que integram o vínculo empregatício reconhecido na decisão cognitiva ou homologatória; ou
II - à diferença entre a remuneração reconhecida como devida na decisão cognitiva ou homologatória e a efetivamente paga pelo empregador, cujo valor total referente a cada competência não será inferior ao salário-mínimo.
§ 3º-B Caso haja piso salarial da categoria definido por acordo ou convenção coletiva de trabalho, o seu valor deverá ser utilizado como base de cálculo para os fins do § 3º-A deste artigo.

Utilizando inicialmente o método gramatical, verifica-se que o legislador optou no “§3º A” por iniciar a norma pela exceção, fato que prejudicou na clareza do enunciado. De toda a sorte a primeira oração “salvo na hipótese de o pedido da ação limitar-se expressamente ao reconhecimento de verbas de natureza exclusivamente indenizatória” traz o ponto que vem gerando mais controvérsia e pauta as interpretações que tendem a não viabilizar a formulação de acordos com verbas exclusivamente indenizatórias.

O texto acima estaria excluindo da aplicação do disposto na nova norma apenas ações que tivessem exclusivamente pedidos indenizatórios como no caso de uma ação na qual apenas é pedido a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, situação rara na Justiça do Trabalho que em sua imensa maioria possui ações com inúmeros pedidos.

Entretanto, na sequência da redação identificamos que a primeira oração parece dispensável: “a parcela referente às verbas de natureza remuneratória não poderá ter como base de cálculo valor inferior”. Ora, se o dispositivo trata apenas de verbas de caráter remuneratório naturalmente aquelas ações que contenham o pedido de condenação ao pagamento de verbas exclusivamente indenizatórias não seriam abrangidas pelo texto.

Cremos que as interpretações no sentido de que está vedada homologação de acordo com a discriminação de verbas exclusivamente indenizatórias, mesmos nas ações que tenham as duas espécies de pedidos (indenizatórios e remuneratórios) tem base principalmente no brocardo “a lei não tem palavras inúteis”, pois como visto, a primeira parte do parágrafo “3º A” se mostrou inócua.

Os incisos trazem as bases para os cálculos, vejamos: “I - ao salário-mínimo, para as competências que integram o vínculo empregatício reconhecido na decisão cognitiva ou homologatória.”. A decisão judicial é proferida mediante provocação e se limita ao pedido realizado, deste modo em uma ação na qual se pede a condenação da reclamada ao pagamento de horas extras e equiparação salarial não existe o reconhecimento do vínculo empregatício na decisão, este já é reconhecido, não há controvérsia e portanto não existe interesse jurídico.

Deste modo, em que pese o devido respeito a entendimentos contrários o inciso I gramaticalmente se aplicaria somente às ações que pleiteassem o reconhecimento de vínculo empregatício.

Quanto ao inciso II que tem a seguinte redação: “II - à diferença entre a remuneração reconhecida como devida na decisão cognitiva ou homologatória e a efetivamente paga pelo empregador, cujo valor total referente a cada competência não será inferior ao salário-mínimo.” Podemos realizar as mesmas observações referentes ao inciso I, pois novamente trata de um “reconhecimento judicial”, ou seja, alguma divergência levada ao judiciário e devidamente reconhecida, como na hipótese de pedido de diferenças salariais decorrentes de equiparação salarial, ou no tocante ao piso da categoria. Teremos mais uma vez aplicação somente a ações com pedidos específicos.

Cabe ainda ressaltar que nos dois incisos acima existe o termo “reconhecido”. Este vocábulo é perfeitamente aplicável as sentenças condenatórias, todavia no acordo ainda resta a “res dubia”, não houve reconhecimento de nada e não identificamos impedimento para em uma ação na qual se pleiteia horas extras e danos morais a reclamada reconheça para fins de acordo apenas os danos morais e o autor abra mão do pedido de horas extras, atribuindo quitação total à demanda, inexistindo a obrigatoriedade de continuar o litígio quanto ao restante.

A mesma situação pode ser identificada em uma sentença referente ao mesmo exemplo acima. Ou seja, o reclamante pediu a condenação da reclamada ao pagamento de horas extras e dano moral, sendo que somente o pedido de indenização por danos morais foi julgado procedente. Neste caso não há dúvida de que não há necessidade de proporcionalidade, pois somente o dano moral foi “reconhecido” como consta nos dispositivos.

O parágrafo “3º B” apenas complementa o inciso I do parágrafo 3º A e se mostra mais claro em sua aplicação, pois se existir salário normativo este deverá ser aplicado como base de cálculo ao invés do salário mínimo.

Cremos que aplicando a interpretação gramatical, preferida pelos conservadores e liberais (em sentido econômico), é mantida a possibilidade de homologação de acordos com verbas exclusivamente indenizatórias antes da sentença de primeiro grau.

No tocante à interpretação histórica, se mostra válida a análise da justificativa da Senadora pelo PSL do Mato Grosso do Sul Soraya Thronicke responsável pela Emenda 2 no PL 2.999/2019 que deu origem às alterações no art. 832 pela Lei 13.867/2019 (acessível em https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7981807&disposition=inline ):

“Atualmente, no âmbito da Justiça do Trabalho, embora o §3º do art. 832 da CLT determine a discriminação da natureza jurídica das parcelas remuneratórias constantes da condenação ou do acordo homologado em juízo, o que se verifica na prática conciliatória é a atribuição de natureza jurídica indenizatória da maior parte das verbas, mesmo aquelas de natureza tipicamente remuneratória, o que resulta na impossibilidade de arrecadação de imposto de renda e contribuição previdenciárias. Considerando o valor de R$ 13 bilhões pagos nas Justiça do Trabalho a título de acordos judiciais, no ano de 2018, e assumindo a estimativa conservadora de que 50% dessas verbas foram discriminadas como de natureza indenizatória, quando na realidade possuíam natureza remuneratória, encontra-se o valor de R$ 6,5 bilhões sobre os quais não houve incidência do imposto de renda e contribuições sociais. Com efeito, considerando as alíquotas aplicáveis a cada espécie, alteração ora proposta tem o potencial de gerar receita adicional de R$ 1,95 bilhão por ano, o que representa aumento de receita da ordem de R$ 19,5 bilhões em 10 anos. (grifos nossos)”

Conforme justificativa para a inserção da norma, o que se buscou vedar foi a atribuição de natureza indenizatória às verbas remuneratórias. Quanto a este argumento vale também a interpretação sistemática do ordenamento jurídico, pois com o texto do art. 841, parágrafo 1º da CLT este aspecto já havia sido regulado:

§ 1o Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante.

Diante da obrigatoriedade de indicação do valor estimado do pedido na peça inicial, resta vedada a composição sobre determinada verba em valor superior ao pleiteado. É fato que existe posicionamento no sentido de que os valores dependem de liquidação, mas em uma fase anterior à liquidação o parâmetro para o cálculo seria aquele indicado na petição inicial.

A título de ilustração, supondo que o reclamante tenha pleiteado R$ 12.000,00 a título de horas extras e R$ 2.000,00 a título de danos morais. Sendo entabulado um acordo de R$ 4.000,00 seria temerário discriminar todo o valor como indenizatório. Cremos que os novos parágrafos inseridos no art. 832 da CLT com a análise da vontade do legislador apenas reforçam tal entendimento.

Retornando à argumentação de coerência e de coesão de Neil MarcCormick consideramos que os parágrafos 3º A e 3º B também suprem lacuna interpretativa deixada pela Orientação Jurisprudencial nº 376 da SBDI-I do C. TST quanto a necessidade de proporcionalidade entre as verbas de caráter indenizatório e salarial de decisão judicial ainda não transitada em julgado, sendo que a partir de agora deverá ser respeitada nos acordos homologados antes do trânsito em julgado.

Segue abaixo o texto da OJ 376 da SDI-I do C.TST

OJ-SDI1-376 CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ACORDO HOMOLOGADO EM JUÍZO APÓS O TRÂNSITO EM JUL-GADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INCIDÊNCIA SOBRE O VALOR HOMOLOGADO (DEJT divulgado em 19, 20 e 22.04.2010) É devida a contribuição previdenciária sobre o valor do acordo celebrado e homologado após o trânsito em julgado de decisão judicial, respeitada a proporcionalidade de valores entre as parcelas de natureza salarial e indenizatória deferidas na decisão condenatória e as parcelas objeto do acordo.

Ademais, não houve revogação do art. 515, §2º do CPC:

§ 2º A autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo.

Referido dispositivo supre lacuna normativa da CLT podendo ser aplicado em conformidade com o art. 15 do CPC.

Poderíamos tratar de outras teorias argumentativas com viés constitucional como de Robert Alexy ou as teorias argumentativas de Gadamer e Heidegger, porém nosso intuito é mais prático e não visamos uma interpretação inovadora, pós positivista ou neoconstitucionalista, nem ao menos resvalar no ativismo judicial, ressaltamos apenas a busca de coerência e coesão através inclusive de métodos clássicos de interpretação sem grande carga de fundamentação principiológica.

Indicamos ainda artigo do Professor e Juiz do Trabalho Roberto Dala Barba Filho que traz outras importantes considerações a respeito do tema disponível em https://jus.com.br/artigos/76751/acordo-judicial-trabalhista-apos-a-lei-13-876-2019 .

Em suma com o devido respeito a posicionamentos em sentido diverso e considerando a complexidade do tema e ainda o curto tempo de vigência da norma, entendemos que ainda é válida a homologação de acordo com a discriminação de verbas exclusivamente indenizatórias mesmo nas ações que tenham verbas indenizatórias e remuneratórias conforme argumentação gramatical, histórica e sistemática acima.

Entendemos que a nova norma restringiu a possibilidade a discriminação de verbas nos acordos em valores superiores àqueles indicados na petição inicial, bem como esclareceu que no caso de decisão ainda que não transitada em julgado a fixação das verbas de natureza indenizatória e salarial deve ser proporcional àquela fixada na decisão existente.

* Texto de autoria de Glauco Bresciani Silva - Juiz do Trabalho do TRT da 2ª Região. Especialista em Filosofia do Direito pela PUC/MG. Harvard University Certificate in Course Justice. Palestrante da Escola Judicial do TRT da 2ª Região. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos, Exame da OAB e pós-graduação. Colaborador do site http://www.direitoteoriaepratica.com.br.

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