Mal
de Alzheimer
Pela
minha experiência como juiz, sempre acreditei que a melhor forma de
solução de litígios, sobretudo aqueles que decorrem da prestação
de serviços no âmbito doméstico, é justamente a entabulação de
uma conciliação, desde que seja algo natural e sem nenhum tipo de
imposição. Ganha-se mais com um mal acordo do que uma boa batalha
judicial.
Definitivamente,
o trabalho do lar não é uma tarefa fácil, envolve uma
multiplicidade de sentimentos e emoções, além de um mourejo
constante para o bem-estar de outras pessoas. Trata-se de uma relação
muito próxima, em que se presta serviços no refúgio familiar
alheio mais íntimo, com um laço muito tênue de confiança entre os
partícipes deste liame, geralmente de classes sociais distintas.
Em
dado dia, deparei-me com uma situação um tanto quanto peculiar. Na
audiência inaugural de uma reclamação trabalhista em que se
discutia vínculo empregatício doméstico (salários, horas extras e
verbas rescisórias), após realizado o pregão, indaguei os
presentes acerca da possibilidade de um acordo. Como de praxe,
expliquei as vantagens de uma composição e a desnecessidade de
continuação da demanda. Foi quando, em um ímpeto de irresignação,
a representante da reclamada, uma jovem senhora, disse:
-
Excelência, isso aqui é uma palhaçada! Ela trabalhou para a minha
mãe por vários anos e me viu crescer. Era como se fosse da família…
Pedi
para que os ânimos ali se acalmassem. Mas não adiantou muito, já
que a parte ré estava bastante transtornada com os fatos declinados
na petição inicial.
-
Ora, a minha mãe fazia tudo certinho, preto no branco! Anotava e
pagava como manda a lei!
Resolvi
deixar ela falar, numa espécie de válvula de escape para que a
parte extravasasse todas as suas angústias e ficasse ainda mais
susceptível ao acordo.
-
Sacanagem, utilizar a confiança das pessoas para se beneficiar. A
minha mãe sofre de Mal de Alzheimer, por isso que ela não se
recorda em que local guardou todos os recibos de pagamento e folhas
de ponto...
Quando
me deparo com informações deste tipo, verifico a postura da parte
contrária. A reclamante manteve-se cabisbaixa o tempo todo, não
demonstrando nenhum tipo de reação. Talvez pelo constrangimento da
situação. Talvez por sua condição humilde. Apenas talvez.
Depois
de um quarto de hora, inclusive por meio de muito esforço dos
causídicos, foi feito um acordo. Não direi que todos saíram
satisfeitos. Também não direi que essa foi a solução mais justa.
Porém houve o apaziguamento de um conflito social.
Solidarizei-me,
então, com a doença que aflige a patroa e disse para a filha:
-
Por vezes fazemos um acordo mesmo sabendo que estamos certos, isso
não significa derrota ou prejuízo, mas que agimos conforme os
nossos valores mais nobres em prol de um mundo melhor. Jamais se
esqueça de sua humanidade. Tenha orgulho de sua mãe e aproveite
cada minuto de lucidez dela, amando-a sempre!
Naquele
dia apenas tentei fazer a minha parte.
Wagson Filho
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