PELA
PRESERVAÇÃO DO CARÁTER ALIMENTAR DO SALÁRIO E DOS HONORÁRIOS
SUCUMBENCIAIS
A
Lei 13.467/2017 introduziu na CLT o artigo 791-A e seu parágrafo 4º,
deixando certo que, mesmo que beneficiário da Justiça Gratuita, é
possível o trabalhador ter que arcar com honorários de sucumbência,
caso tenha crédito para receber no próprio processo ou em outro.
Por
isso, quanto ao pagamento de honorários por parte do reclamante, nos
casos de sucumbência recíproca, quando tem crédito a receber,
mister tecer alguns comentários.
Vale
ressaltar que é o salário que dá sustento ao trabalhador e sua
família. Segundo Maurício Godinho Delgado, o caráter alimentar do
salário “deriva do papel socioeconômico que a parcela cumpre, sob
a ótica do trabalhador. O salário atende, regra geral, a um
universo de necessidades pessoais e essenciais do indivíduo e sua
família” (in Curso de Direito do Trabalho, 10ª ed., São Paulo :
LTr, p. 685).
Logo,
observa-se que essa característica vai ao encontro do princípio da
dignidade da pessoa humano, esculpido no artigo 1º, inciso III, da
CF/88, que é fundamento da República. Todos os outros princípios
do ordenamento jurídico gravitam em torno da dignidade da pessoa
humana. Tal princípio, com base na filosofia de Kant, prega que o
ser humano se situa acima de qualquer preço, não devendo ser
valorada como um meio para o fim de outros ou mesmo para seus
próprios fins (ASSIS, Luís Fabiano. Dignidade da Pessoa Humana.
In.: Dicionário de Direito do Trabalho, de direito processual do
trabalho e direito previdenciário aplicado ao direito do trabalho.
Rodrigo Garcia Schwarz organizador, São Paulo : LTr, 2012, p. 356).
Portanto,
ao conferir sustento à família, o salário dignifica o ser humano,
possibilitando-lhe o alcance de bens alimentícios e outros
materiais, que satisfarão suas necessidades mais básicas.
Assim,
entendemos que a retenção de honorários sobre o crédito do
trabalhador (artigo 791-A, §4º, da CLT), deve ser lida e
compreendida com base no todo da Constituição e outras normas
ordinárias, a fim de entender o espírito do legislador.
Pois
bem.
É
verdade que salário, remuneração e indenização fundada em
responsabilidade civil são reconhecidos como de caráter alimentar
pela própria CF/88 (artigo 100, § 1º), evidenciando que tais
parcelas são essenciais para o sustento do trabalhador e sua
família.
De
outro giro, as parcelas indenizatórias visam compensar a vítima por
algum dano sofrido. Sua natureza não é contraprestacional, não
visando o sustento do trabalhador, salvo no que tange à indenização
por pensão vitalícia, uma vez que essa, na verdade, é a projeção
salarial do reclamante no tempo, bem como a própria CF/88 deixa
clara sua posição alimentar, como acima visto.
Porém,
também é certo que os honorários sucumbenciais possuem caráter
alimentar, conforme súmula vinculante nº 47 do Supremo Tribunal
Federal, o que faria entender que essas parcelas também conferem
dignidade ao profissional liberal.
O
CPC/15 (aplicado subsidiariamente ao Processo do Trabalho com base no
artigo 769 da CLT) fixou a posição de que os salários podem ser
objeto de penhora para pagamento de prestação alimentícia,
independentemente de sua origem, o que inclui os créditos
oriundos do contrato de trabalho (nesse sentido: JORGE NETO,
Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito
Processual do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 991) e,
por conseguinte, também os honorários sucumbenciais. Assim, é
possível compreender que o salário é protegido pelo legislador até
um determinado teto, em uma solução intermediária, desde que para
atender, por sua vez, outra verba de natureza alimentar. É o caso
presente, pois estamos falando de salários do trabalhador versus
honorários sucumbenciais.
Somado
a isso, o legislador pátrio nos deu um norte a fim de compreender o
que, para ele, é considerado razoável para o devedor suportar. Nos
termos do artigo 529, §3º, do CPC/15, usado analogicamente, é
possível que a execução do trabalhador assalariado se dê até o
limite de 50% do seu salário.
Entendemos
que, em uma linha de pensamento semelhante à declaração de
inconstitucionalidade parcial sem redução de texto (artigo 28,
parágrafo único, da Lei 9.868/99), a norma do artigo 791-A, §4º,
da CLT só pode ser considerada constitucional (em conformidade com a
dignidade da pessoa humana) se a retenção do crédito trabalhista
para pagar honorários ao advogado não privar o obreiro do seu
sustento.
Portanto,
a retenção do crédito obreiro deve ser feita somente no que tange
às parcelas indenizatórias, não se incluindo a indenização por
pensão vitalícia, e a 50% das parcelas salariais (aplicação
analógica do artigo 529, §3º, do CPC/15).
De
todo modo, poderá o advogado valer-se dos meios legais para
comprovar (nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado) que o
reclamante não sustenta mais a condição de hipossuficiente, nos
termos do artigo 791-A, §4º, da CLT, parte final.
Por
todo o exposto, pensamos que tal solução é conciliadora,
prestigiando salários e honorários ao mesmo tempo. Não se trata de
inovação judiciária, mas, pelo contrário, a solução é extraída
com base no diálogo entre as fontes trabalhistas, processuais e,
claro, a Constituição Federal.
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Como
citar o autor: ARAÚJO NETO, Geraldo Furtado de. Pela Preservação
do Caráter Alimentar do Salário e dos Honorários Sucumbenciais.
In.: Blog Magistrado Trabalhista (www.
magistradotrabalhista.com.br). Publicado em 25/06/2019.
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