Acidente
na Igreja
Foi
uma reclamação trabalhista envolvendo uma situação muito trágica.
Apesar de todo meu esforço argumentativo, a solução por mim
pensada não foi aquela acolhida pelo Tribunal. O direito tem dessas
coisas, nem sempre conseguimos validar integralmente nossas
convicções jurídicas, por mais robustas que aparentam ser.
Esse
caso realmente me consternou profundamente. Cito ele até hoje,
logicamente com cunho didático e acadêmico, para esboçar
ensinamentos de responsabilidade civil trabalhista em minhas aulas.
Tratou-se de um acidente ocorrido na reforma da sede de uma Igreja
situada em uma determinada cidadezinha do interior.
O
reclamante, pessoa no auge de sua juventude e pai de duas filhas
pequenas, fraturou a coluna e seus membros inferiores já no seu
primeiro dia de trabalho, ao realizar um ato inseguro, sem a
necessária instrução. Ficou agonizando debaixo de um muro que
estava sendo demolido por ele próprio, próximo ao altar do templo.
Seu grito de dor ecoou seco e quebradiço por toda aquela comunidade
local!
O
inusitado foi ter que tomar o depoimento pessoal do padre, com batina
e tudo mais, na condição de preposto da Igreja. Com toda
consideração que uma autoridade eclesiástica merece, interroguei-o
com deferência e procurando esmiuçar as causas do acidente
ocorrido. Talvez o que mais me marcou foi o fato da negação
peremptória da responsabilidade da tomadora, imputando-a para
empreiteiros visivelmente inidôneos.
Depois
da oitiva de testemunhas, fiquei aguardando o pregão para a próxima
audiência. Porém, o reclamante ainda estava em sua cadeira, logo de
frente da mesa do juiz, mesmo sem a presença de seu advogado e das
demais partes. Foi quando lancei uma pergunta:
-
Olha, a audiência já se encerrou e a sentença será oportunamente
publicada. Posso ajudar em algo mais ou esclarecer alguma dúvida?
Totalmente
sem jeito, o autor esboçava um certo incômodo com a minha presença.
De forma bastante sincera, ele respondeu:
-
É que gostaria que o senhor se retirasse da sala. Tenho vergonha de
andar assim e não quero que as pessoas fiquem com pena de mim! Pode
me fazer esse favor?
Naquele
momento lembrei de uma passagem bíblica, a qual inclusive foi
replicada na sentença:
“Abri-me
as portas da justiça; entrarei por elas, e louvarei ao Senhor. Esta
é a porta do Senhor, pela qual os justos entrarão. Louvar-te-ei,
pois me escutaste, e te fizeste a minha salvação. A pedra que os
edificadores rejeitaram tornou-se a cabeça da esquina. Da parte do
Senhor se fez isto; maravilhoso é aos nossos olhos. Este é o dia
que fez o Senhor; regozijemo-nos, e alegremo-nos nele. Salva-nos,
agora, te pedimos, ó Senhor; ó Senhor, te pedimos, prospera-nos.
Bendito aquele que vem em nome do Senhor; nós vos bendizemos desde a
casa do Senhor. Deus é o Senhor que nos mostrou a luz; atai a vítima
da festa com cordas, até às pontas do altar. Tu és o meu Deus, e
eu te louvarei; tu és o meu Deus, e eu te exaltarei. Louvai ao
Senhor, porque ele é bom; porque a sua benignidade dura para
sempre.” (Salmo 118:19-29)
Wagson
Filho.
Belíssimo texto!
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