Desvio produtivo do trabalhador - Indenização pela perda do tempo útil
Trata-se
de um instituto novo para tentar solucionar problemas já antigos no
mundo consumerista. De acordo com estudos de Marcos Dessaune, o
desperdício do tempo do consumidor para resolver problemas de má
prestação dos serviços ganha contornos de juridicidade, impondo o
reconhecimento do direito à reparação do prejuízo, ultrapassando
as barreiras do “mero dissabor” ou “aborrecimento cotidiano”.
De
acordo com o escólio de Tarcísio Teixeira e Leonardo Silva Augusto:
“(...)
o reconhecimento do dano temporal como uma nova modalidade de dano
ressarcível é medida que se impõe em razão, dentre outras: da
elevada importância do tempo, considerado o maior e mais valioso bem
de que dispõe o ser humano; da possibilidade de reconhecimento do
tempo como interesse merecedor de tutela; do dever jurídico dos
fornecedores de cumprirem sua missão, fornecendo aos consumidores
produtos finais adequados, seguros, duráveis, úteis, bem como
atuando sempre com boa-fé e reparando integralmente os danos
eventualmente causados aos consumidores; da necessidade da plena
concretização da justiça; e, por fim, da realização
constitucional da proteção do consumidor.”
O
dano extrapatrimonial ocorre ante a recalcitrância do fornecer em
resolver os problemas apresentados pelo seu produto ou serviço
defeituoso de forma espontânea e rápida, obrigando que o consumidor
provoque o judiciário, com perda de tempo vital e prejuízo de suas
atividades diárias, para buscar uma solução forçada.
Pertinente
aqui trazer frase do ilustre Ministro Luis Felipe Salomão que
ilustra bem essa situação: “Os grandes litigantes do Judiciário
estão acomodados porque transferiram o seu call center para a
Justiça.”
Portanto,
o fator temporal, objeto de vários estudos de diversas áreas de
conhecimento, é algo que deve ser tratado de forma bastante séria,
inclusive pelo judiciário trabalhista, tudo com vistas a coibir
práticas insidiosas que vilipendiem autênticos direitos
fundamentais.
Em
um Estado Democrático e Social do Direito, seus partícipes devem
espelhar uma conduta calcada tanto na boa-fé objetiva quanto no
dever de cooperação, repudiando o desvio produtivo do trabalhador
para resolver questões de responsabilidade exclusiva da parte
empregadora.
São
raros os julgados da seara juslaboral que tratam do tema (indenização
pela perda do tempo útil). À guisa de exemplo, colaciono aqui
trecho de um importante precedente do TRT-4:
“Insurge-se
a autora requerendo o deferimento de indenização por dano moral, em
face da não percepção de salário referente ao setembro, nem de
benefício de auxílio doença. Defende ser de conhecimento comum que
o nascimento de uma criança gera gastos, aduzindo que a não
percepção do salário, nem de benefício que lhe cabia, desencadeou
uma série de sofrimentos. Argumenta que teve que pedir ajuda a
terceiros. Pondera que, além de sofrer prejuízo financeiro, também
sofreu grande abalo moral. Destaca ainda que foi ignorada pela
empresa, mesmo realizando telefonemas diários para a instituição,
aduzindo que teve que ingressar na justiça para fazer valer seu
direito. Requer o deferimento de indenização pela perda de tempo
útil.
(…)
Nesse
contexto, agiu com culpa grave a reclamada ao não encaminhar a
reclamante em tempo hábil para perícia médica do INSS. Deve ser
considerada, no caso, a natureza alimentar do benefício ao qual a
autora não teve acesso, devendo ainda ser levado em conta que a
reclamante se encontrava gestante e passando por problemas de saúde.
Tao grave ainda é o fato de que a autora acabou por dar a luz, sem
ter a sua disposição os recursos financeiros necessários para
atender as necessidades inerentes a este contexto, tudo em
decorrência da conduta negligente da ré. O dano moral no caso é
presumido.
Destaco
ainda que a reclamante mesmo em estágio avançado de gestação e
enfrentando problemas de saúde, permaneceu investindo tempo em busca
da solução para o problema em benefício de auxílio doença,
inclusive procurando advogado.
Incide,
por isso, o dever de indenizar, amparado nos artigos 186 e 927 do
Código Civil.
Dou
provimento ao recurso para condenar a reclamada ao pagamento de
indenização por dano moral, no valor de R$ 5.000,00. A importância
fixada já leva em conta os sofrimentos e dissabores que acometeram a
reclamante, bem como o tempo útil despendido para solucionar o
problema. Incidem juros desde o ajuizamento da ação, consoanta
Súmulas nº 54 deste E. TRT. Incide correção monetária a partir
da prolação da presente decisão, conforme Súmula nº 50 deste
Regional, já que o arbitramento contempla valores atualizados.”
(TRT-4; RO-0020156-80.2015.5.04.0831; Relator: Marcos Fagundes
Salomão; Data de julgamento: 24/04/2017)
O
desenvolvimento do meio ambiente de trabalho no qual se encontra
inserido o trabalhador necessita de instrumentos que enalteçam a sua
própria mão-de-obra e mitiguem condutas abusivas e reiteradas de
desrespeito ao patamar mínimo civilizatório.
Relações
jurídicas desniveladas merecem atenção especial do julgador e a
busca de mecanismos indenizatórios e recompensatórios que visem
respaldar a parte mais vulnerável.
Portanto,
o tempo aqui deve ser entendido como um direito fundamental e de
aspirações sociais, devendo ser reparadas condutas abusivas e que
impliquem em autêntico desvio produtivo. Assim, de acordo com proposta de enunciado da VI Jornada de Direito Civil de 2013, as microlesões
relacionadas à alteração da rotina e/ou do curso natural da vida
do trabalhador, vindo a ocasionar aborrecimentos relevantes, integram
o conceito elastecido de dano, atingindo os direitos de personalidade
e a dignidade da pessoa humana, o que induz a um direito de reparação
correspondente e proporcional.
Havendo
a constatação de várias microlesões e pequenos danos reiterados a
haveres trabalhistas, este fato pode ser catalogado com uma espécie
de interesse difuso. Entendido como correto o direito de reparação
do desvio produtivo, haverá, por consectário lógico, um impulso
pedagógico para demandas judiciais mais qualitativas, maior
responsabilidade social por parte dos empregadores e melhor prestação
de serviços.
Por
fim, a facilitação do acesso ao Judiciário provoca um incremento
de demandas e abuso de direito por parte dos chamados litigantes
habituais. O descumprimento contratual reiterado não pode servir de
subterfúgio para a obtenção de enriquecimento ilícito ou fomentar
uma chamada “indústria do mero dissabor”. Desse modo, a
reparação do dano temporal não pode partir de um pressuposto de
má-fé da vítima, mas sim uma tentativa de coibir a continuidade de
práticas abusivas.
DESSAUNE, Marcos. Desvio produtivo do consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
SALOMÃO, Luis Felipe. Cultura do litígio. Entrevista concedida ao ConJur no dia 6 de janeiro de 2013.
TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. 3º ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2014.
TEIXEIRA, Tarcisio; AUGUSTO, Leonardo Silva. O dever de indenizar o tempo desperdiçado (desvio produtivo). Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 110, p. 177-209, may 2016. ISSN 2318-8235.
TRT-4; RO-0020156-80.2015.5.04.0831; Relator: Marcos Fagundes Salomão; Data de julgamento: 24/04/2017
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