A reforma trabalhista, as mudanças processuais quanto aos custos do processo e o "tempus regit actum"
A reforma trabalhista (Lei
13.467/17) foi alvo de bastante polêmica nos últimos meses. Com
certeza, será também alvo de inúmeros questionamentos nas provas
da Magistratura e Ministério Público do Trabalho, porquanto
modificou sensivelmente a nossa famigerada CLT. Um dos impactos mais
profundos da dita reforma foi no aspecto processual.
Poderíamos aventar diversas
mudanças. Contudo, algumas das mais vigorosas dizem respeito aos
custos do processo. Embora, particularmente, entenda que o processo
não é loteria para se jogar sem riscos, vendo como salutar o
peticionamento responsável, me parece muito clara a mensagem dada
pelo Congresso: forçar os trabalhadores a diminuírem o número de
pedidos/ações. Isso é uma clara política legislativa, a fim de
atender aos interesses e pressões crescentes das empresas. Não
entrarei no mérito da questão política. Apenas me focarei na
questão processual.
A partir de agora, há o
instituto da sucumbência recíproca (artigo 791-A, §3º); pagamento
de honorários de sucumbência pelo empregado beneficiário da
Justiça Gratuita que, dentro do processo ou em outro, tem crédito
suficiente (§4º); e pagamento de honorários periciais por parte do
beneficiário da “JG”, desde que tenha crédito no processo ou em
outros.
Vale ressaltar a propositura de
Ação Declaratória de Inconstitucionalidade pelo PGR (ADI 5766), na
qual se pleiteia a nulidade dos termos “ainda que beneficiária da
justiça gratuita” (artigo 790-B, §4º, da CLT); da expressão
“desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro
processo, créditos capazes de suportar a despesa”, do §4º do
artigo 791-A, da CLT e da expressão “ainda que beneficiária da
justiça gratuita do §2º do artigo 844 da CLT. O fundamento básico
é de que tais medidas diminuiriam o acesso do trabalhador
hipossuficiente ao Judiciário, tratando-se de abusividade
legislativa, com violação à proporcionalidade.
A despeito desse importante
fato, intimamente, entendo difícil a concessão da medida, ainda
mais em sede preliminar. Isso porque o STF, por política judiciária,
nos últimos tempos, vem acatando as decisões legislativas, em
suposta homenagem ao princípio democrático, talvez em virada
importante para uma saída do “ativismo judicial” e retorno à
supremacia da lei. Se para o bem ou mal isso não vem ao caso. O
tempo poderá ditar outro caminho.
De todo modo, ainda não julgada
a ADI, ou deferida liminar, mister que o aluno tenha em mente a
possibilidade de enfrentamento dessas questões, seja no âmbito
profissional ou em concurso.
Pois bem.
É sabido que vige na ciência
processual o brocardo “tempus regit actum” (normatizado pelo
atual artigo 14 do NCPC), pelo qual as inovações legislativas
passam a valer, dentro do processo, a partir de sua vigência, com
influência em processos em andamento, salvaguardando, apenas, os
atos processuais já praticados.
Vejamos o que diz o artigo:
“A norma processual não
retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso,
respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas
consolidadas sob a vigência da norma revogada.”
Nesse aspecto, há quem discuta
como serão aplicados esses institutos nos processos em andamento.
Para uma primeira corrente,
nesses casos, a aplicação dos institutos em comento seria feita de
imediato, de modo que, caso se verificasse o reclamante sucumbente,
parcialmente ou totalmente, quando da prolação da sentença,
deveria o Juiz condená-lo no pagamento de honorários de
sucumbência.
Isto é, para essa corrente o
fato temporal para os fins de aplicação do brocardo “tempus regit
actum” é a prolação da sentença.
Não seria desarrazoado assim
pensar. Com efeito, o ato do Juiz em que há a condenação é a
sentença. Seria lógico deduzir, portanto, que a norma processual
incidiria já na decisão final.
Contudo, devemos fazer algumas
ponderações, o que abrirá caminho para a segunda corrente.
É certo que é com a inicial
que o autor realiza os pedidos. Antes da reforma, na égide do atual
regime, o autor tinha a justa expectativa que, em caso de
indeferimento dos pedidos, não teria que arcar com os custos do
advogado da parte contrária. Não vem ao caso, agora, dizer sobre o
peticionamento responsável (ou a falta dele, para alguns advogados)
e a loteria em que se transformou a Justiça do Trabalho.
Pensemos que um trabalhador,
ciente de um direito em que ele ache que tenha probabilidade de
demonstrar em juízo, ajuíze ação na Justiça do Trabalhador,
sabedor que, no pior das hipóteses, não pagará custas e honorários
de advogado. Isto é, a ação sairá “free” no pior dos mundos.
Veja, esse não é o caso de peticionamento irresponsável. O
reclamante tem razoável chance de conseguir provar o fato que
demonstrará seu direito.
No entanto, pensemos nesse mesmo
trabalhador, sabedor que se vier a perder a demanda terá que pagar
custas e honorários. Nesse caso, não poderia o trabalhador sopesar
os riscos da demanda e desistir, tendo em vista que, em seu ponto de
vista, a chance de comprovar seu direito não compensa o risco de
pagamento dos custos do processo? É uma probabilidade.
Mas aonde quero chegar com isso?
Ocorre que no primeiro caso, o
reclamante, ciente que a ação sairá “free”, é surpreendido
com uma reforma trabalhista, em que o jogo muda. Agora, se perder,
deverá ter que pagar os custos do processo.
Poderíamos argumentar: Ora, que
ele desista do pedido antes da vigência da reforma? Mas é salutar
lembrar que a desistência, caso já apresentada a defesa (artigo
485, §4º, do NCPC), demandará a concordância da parte contrária.
E se ela não concordar? Ah (dirão outros), que o autor renuncie ao
direito. Entretanto, pondero que exigir a renúncia do direito nesses
casos, para que não sofra o risco de pagar os “custos do
advogado”, é medida extrema e não condizente com um Estado
Democrático de Direito.
O que tento demonstrar que um
dos pilares desse Estado Democrático é a segurança jurídica. Por
isso, sugiro que a aplicação da norma atinente ao pagamento de
honorários de sucumbência seja aplicada levando em consideração a
data de ajuizamento da ação. É ela, a meu ver, que vincula o autor
quanto aos riscos da ação, programando-se a respeito de eventuais
ônus no decorrer do processo. Nesse caso, me apego à parte final do
artigo 14 do NCPC:
“A norma processual não
retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso,
respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas
consolidadas sob a vigência da norma revogada.”
Vejamos. A teoria da “situação
jurídica consolidada” visa respeitar as justas expectativas e os
abusos que podem ser cometidos com a aplicação imediata da norma
processual. Um exemplo: se o NCPC tivesse extinto um determinado tipo
de recurso. Um dia antes da vigência surge a oportunidade para uma
das partes de interpor tal medida. Não seria razoável pensar que
essa parte estaria impossibilitada de interpor o recurso dois dias
após a entrada em vigor no NCPC. A situação e oportunidade de
interposição já estariam cristalizadas. Do mesmo modo, tenho que
aos casos de pagamento dos “custos” do processo deve ser aplicada
tal teoria.
Logo, no momento da prolação
da sentença, entendo salutar verificar a data de ajuizamento, a fim
de não “pegar de surpresa” o trabalhador que, à época do
ajuizamento da ação, tinha justa expectativa que o seu insucesso
não geraria qualquer pagamento de honorários de sucumbência. Isto
é, teve uma “situação jurídica” consolidada e que deve ser
respeitada.
No que tange ao pagamento de
honorários periciais, vale ressaltar que na petição inicial não
há necessidade de especificação das provas a produzir. Por isso,
poderíamos pensar que é apenas com o pedido de realização da
perícia, feito, geralmente, em audiência, que haveria a vinculação
para os fins da aplicação da nova norma.
Entretanto, do mesmo modo,
entendo que é o ajuizamento que vincula o ato para esses fins. Ora,
o pedido de adicional de insalubridade/periculosidade é dependente,
segundo a lei, da perícia. Ainda que se trate de perícia médica,
deve o magistrado, a fim de verificar eventual incapacidade e grau de
redução, determina-la. Isto é, por serem pedidos dependentes de
perícia, não há como exigir que o autor vá para frente com o
requerimento sem ela.
Assim, entendo que não poderia
haver condenação do reclamante sucumbente no objeto da perícia e
beneficiário da Justiça Gratuita, ainda que tenha crédito em
processos no Judiciário, se essa situação não estava prevista
quando do ajuizamento da ação. Isso com espeque na Lei 13.467/17.
Por outro lado, vale registrar
entendimentos no sentido de aplicação do NCPC, art. 98, § 5º,
podendo haver atribuição de pagamento de honorários periciais. Há
juízes (como esse magistrado) que entendem pela possibilidade de
atribuir o pagamento de honorários do perito, nos casos em que o
reclamante tem dinheiro a receber no processo. A ideia é de que o
autor não tinha condição de arcar com os honorários do perito no
ato do ajuizamento (pois se presume a condição de miserabilidade –
artigo 790, §3º, da CLT), mas passou a ter quando do recebimento
das verbas em execução. A aplicação do artigo na seara laboral é
motivo de polêmica e ainda não há cristalização da
jurisprudência. De todo modo, tendo em vista o raciocínio usado
nesse artigo, deverá ser respeitada a data de ajuizamento da ação
quando da vigência do NCPC.
Registro que o TST decidiu que o
rito sumaríssimo, institucionalizado pela Lei 9.957/2000, não se
aplicava às reclamações ajuizadas antes de sua vigência. Vejamos:
“RECURSO DE REVISTA -
PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO - INAPLICÁVEL AOS PROCESSOS EM CURSO Esta
Eg. Corte tem entendimento firmado no sentido de que a Lei nº
9.957/2000, que instituiu o rito sumaríssimo no processo do
trabalho, não se aplica às reclamações trabalhistas ajuizadas
antes da sua vigência, ainda que o valor da causa não exceda a 40
(quarenta) salários mínimos. Assim, a aplicação do procedimento
sumaríssimo a processo em curso desde 11/6/1999 viola o art. 5º,
XXXVI e LV, da Constituição da República. Aplica-se o rito
ordinário. NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL A
análise do tópico resta prejudicada. Recurso de Revista conhecido e
provido. (TST - RR: 250007819995150071 25000-78.1999.5.15.0071,
Relator: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento:
26/03/2008, 8ª Turma,, Data de Publicação: DJ 28/03/2008.)”
No mesmo sentido, “mutatis
mutandis”, foi o entendimento dado na OJ 421 da SDI-I do TST,
quanto à condenação em honorários advocatícios nas demandas
sobre acidente de trabalho, ajuizadas na Justiça Comum, antes da
vigência da EC 45/2004. Vejamos:
“HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE
ACIDENTE DE TRABALHO OU DE DOENÇA PROFISSIONAL. AJUIZAMENTO PERANTE
A JUSTIÇA COMUM ANTES DA PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº
45/2004. POSTERIOR REMESSA DOS AUTOS À JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 20
DO CPC. INCIDÊNCIA.
A condenação em honorários
advocatícios nos autos de ação de indenização por danos morais e
materiais decorrentes de acidente de trabalho ou de doença
profissional, remetida à Justiça do Trabalho após ajuizamento na
Justiça comum, antes da vigência da Emenda Constitucional nº
45/2004, decorre da mera sucumbência, nos termos do art. 20 do CPC,
não se sujeitando aos requisitos da Lei nº 5.584/1970.”
Isto é, mais uma vez o C.TST
entendeu que havia justa expectativa no momento do ajuizamento da
ação, não se limitando a jogar o olhar apenas no momento da
prolação da sentença.
De todo modo, as discussões a
respeito da aplicação ou não dos dispositivos atinentes aos
honorários de sucumbência e honorários periciais para ações já
ajuizadas antes da vigência da Lei 13.467/2017 virão. Caberá à
jurisprudência consolidar os entendimentos. Entendo apenas que a
segurança jurídica deve estar em voga nos debates acirrados que
acontecerão, a fim de não prejudicar situações jurídicas já
consolidadas.
***Esta postagem é de autoria de nosso ilustre colaborador, Dr. Geraldo Furtado de Araújo Neto (Juiz do Trabalho Substituto do TRT-24)
Parabéns pelo artigo, muito pertinente. Com certeza esse assunto suscitará muita discussão.
ResponderExcluirRoberto
Excelente texto. Me auxiliou na reflexão sobre o tema.
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