Infoproletariado
Houve a ruptura da subordinação
jurídica clássica, surgindo o fenômeno atual da “deslocalização
do trabalho”, no qual há uma crescente flexibilização do local
da prestação de serviços com a utilização de mecanismos de
controle telemáticos e informatizados.
A utilização do
“cibertrabalho”, a despeito de gerar redução de custos para as
empresas, apresenta como desvantagem a possibilidade de deterioração
das condições do trabalho, fazendo surgir, na feliz expressão de
Ricardo Antunes, uma nova classe operária, o chamado
“infoproletariado”.
Em entrevista, o sociólogo
obtempera que:
“O proletariado não acabou,
ao contrário do que muitos previram e desejaram. Ele se transformou.
O livro é uma tentativa de compreender essa transformação.
Infoproletariado, ou ciberproletariado, são termos que compreendem
uma ampla gama de trabalhadores que floresceu nas últimas três
décadas e meia a partir do aumento do uso da tecnologia da
informação, da globalização e da degradação das condições de
trabalho. Esse triplo processo originou um tipo de proletário
contraditório. Ele é de ponta, moderno, porque usa tecnologia
avançada, mas é atrasado, porque herdou condições de trabalho
vigentes no início do século 20. Analisar esse fenômeno é ir além
do invólucro místico de certa sociologia segundo a qual a
tecnologia traria para o trabalho o admirável mundo novo. Talvez
fosse mais correto falar em abominável mundo novo”. (In: Admirável
mundo novo? Entrevista de Ricardo Antunes por Christian Carvalho
Cruz, O Estado de S.Paulo, 11/10/2009)
Inclusive tais ensinamentos
embasaram julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região,
conforme se pode notar do trecho a seguir transcrito:
“A subordinação como um dos
elementos fático-jurídicos da relação empregatícia é,
simultaneamente, um estado e uma relação. Subordinação é a
sujeição, é a dependência que alguém se encontra frente a
outrem. Estar subordinado é dizer que uma pessoa física se encontra
sob ordens, que podem ser explícitas ou implícitas, rígidas ou
maleáveis, constantes ou esporádicas, em ato ou em potência.
Na sociedade pós-moderna,
vale dizer, na sociedade info-info (expressão de Chiarelli), baseada
na informação e na informática, a subordinação não é mais a
mesma de tempos atrás, o que inclusive viabilizou o surgimento do
info-proletário (expressão de Ricardo Antunes).
Do plano subjetivo - corpo a
corpo ou boca/ouvido- típica do taylorismo/fordismo, ela passou para
a esfera objetiva, projetada e derramada sobre o núcleo empresarial.
A empresa moderna livrou-se da sua represa; nem tanto das suas
presas. Mudaram-se os métodos, não a sujeição, que trespassa o
próprio trabalho, nem tanto no seu modo de fazer, mas no seu
resultado. O controle deixou de ser realizado diretamente por ela ou
por prepostos. Passou a ser exercido pelas suas sombras; pelas suas
sobras - em células de produção.
A subordinação objetiva
aproxima-se muito da não eventualidade: não importa a expressão
temporal nem a exteriorização dos comandos. No fundo e em essência,
o que vale mesmo é a inserção objetiva do trabalhador no núcleo,
no foco, na essência da atividade empresarial.
Nesse aspecto, diria até que
para a identificação da subordinação se agregou uma novidade:
núcleo produtivo, isto é, atividade matricial da empresa, que o
Ministro Maurício Godinho denominou de subordinação estrutural e o
Desembargador José Eduardo de subordinação reticular, não se
esquecendo que, lá trás, na década de setenta, o Professor Romita
já a identificara e a denominara de subordinação objetiva.
A empresa moderna, por assim
dizer, se subdivide em atividades centrais e periféricas. Nisso ela
copia a própria sociedade pós-moderna, de quem é, simultaneamente,
mãe e filha. Nesta virada de século, tudo tem um núcleo e uma
periferia: cidadãos que estão no núcleo e que estão na periferia.
Cidadãos incluídos e excluídos.
Sob essa ótica de inserção
objetiva, que se me afigura alargante (não alarmante), eis que
amplia o conceito clássico da subordinação, o alimpamento dos
pressupostos do contrato de emprego torna fácil a identificação do
tipo justrabalhista.
Com ou sem as marcas, as marchas
e as manchas do comando tradicional, os trabalhadores inseridos na
estrutura nuclear de produção são empregados.
Na zona grise, em meio ao fogo
jurídico, que cerca os casos limítrofes, esse critério permite uma
interpretação teleológica desaguadora na configuração do vínculo
empregatício.
Entendimento contrário, data
venia, permite que a empresa deixe de atender a sua função social,
passando, em algumas situações, a ser uma empresa fantasma - atinge
seus objetivos sem empregados. Da mesma forma que o tempo não apaga
as características da não eventualidade; a ausência de comandos
não esconde a dependência, ou, se se quiser, a subordinação, que,
modernamente, face à empresa flexível, adquire, paralelamente, cada
dia mais, os contornos mistos da clássica dependência econômica.”
(TRT-3, RO-0001315-96.2014.5.03.0185, Relator: Luiz Otavio Linhares
Renault, Publicação: 12/09/2014).
Por este escólio, nota-se que
essa modalidade de prestação de serviços está sujeita a uma maior
ingerência empresarial, como se pode notar das condições de
trabalho dos chamados “operadores de telemarketing”, revelando
uma fisionomia degradante da sociedade capitalista na era
informacional, em nítido retrocesso social.
Interessante que esse mesmo sistema se reproduz no judiciário, no ministério público e em procuradorias como da AGU/PFN, onde não há lucro financeiro diferenciado direto com sua adoção, entretanto os membros usam essa possibilidade de comando digital à distância para ganhar tempo livre (eis o seu lucro), enquanto sobrecarregam seus subordinados com o sistema de delegação TOTAL informatizado.
ResponderExcluirComo juízes e procuradores não batem ponto, mas seus subordinados sim, o papel de elaboração das peças e sentenças fica todo com os súditos, que gastam grande volume de tempo nas atividades intelectuais intensas e também na burocracia dos procedimentos.
Aos membros sobra a mera correção e assinatura, e muito muito tempo livre que se traduzem em descansos e lazeres ou em aulas, livros, palestras em todo canto do país, o que dá dinheiro, então é lucro do mesmo modo.
Olhar para os outros é fácil, difícil é que os paladinos da justiça olhem para o próprio umbigo.