Condenação extra vel ultra petitum
Segundo o Código de Processo do
Trabalho de Portugal, o magistrado, ao se deparar com matérias
provadas ou com fatos que não carecem de alegação e nem de prova,
sobretudo no que diz respeito a preceitos inderrogáveis de leis ou
instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, deve
ultrapassar os limites impostos pelo princípio da adstrição e
desde já fornecer decisão apta a suplantar o aviltamento
desmesurado de preceitos irrenunciáveis e fundamentais em temas
laborais.
A Condenação extra vel ultra petitum está positivada no artigo 74 do Código de
Processo do Trabalho de Portugal, in verbis:
“Artigo 74.º
Condenação extra vel ultra
petitum
O juiz deve condenar em
quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso
resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que
possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo
Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de
regulamentação colectiva de trabalho.”
Inclusive tal disposição
normativa já foi objeto de questionamento constitucional no âmbito
do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, conforme se pode notar
do seguinte aresto:
“I – A oficiosidade da
condenação extra vel ultra petitum prevista no art.º 74 do CPT só
ocorre se estiverem em causa preceitos inderrogáveis de lei ou
instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e quando os
factos em que se funda tal condenação sejam os factos provados no
processo, ou de que o juiz se possa servir nos termos do art.º 514,
do CPC.
II – A regra de não
conhecimento de “questões novas” - que resulta do n.º 2 do art.
660.º do CPC - é ultrapassada por aquela oficiosidade de
conhecimento.
III – A inderrogabilidade de
disposições legais a que o juiz há-de atender, para efeitos do
referido art. 74.º, é consequenciada pelo princípio da
irrenunciabilidade de certos direitos subjectivos do trabalhador,
entendendo-se existir tal irrenunciabilidade quando se colocarem
casos em que, para além da sua existência, se conclui que o
exercício do direito se torna absolutamente necessário, por razões
inerentes a interesses de ordem pública.
IV - O trabalhador pode dispor
livremente do direito indemnizatório de que seja titular pela
ilícita cessação do seu contrato de trabalho, pelo que, se não
formula o inerente pedido na petição inicial da acção que intente
após cessado o vínculo laboral contra a sua entidade empregadora,
não deve o tribunal condenar esta na não peticionada indemnização.
V - O art. 74.º do CPT, quando
interpretado no sentido segundo o qual não cobra aplicação quando
se coloquem em causa direitos disponíveis, não conflitua com os
arts. 2.º, 25.º e 58.º da Constituição da República
Portuguesa.” (Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, Processo:
07S2091, Nº Convencional: JSTJ000, Relator: Bravo Serra, Nº do
Documento: SJ200710310020914, Data do Acordão: 31/10/2007).
Em processo laboral, o juiz deve
estar atento ao clamor social que envolve a matéria e não permitir
o desrespeito incessante a regras cogentes e princípios
trabalhistas. Espera-se do julgador uma atuação proativa na
condução do processo, sem a qual não é possível o oferecimento
de uma ordem jurídica justa para aqueles que exercem uma determinada
posição jurídica de vantagem.
Talvez este tipo de decisão
advinda do direito comparado, com base no artigo 8° da CLT, possa
ser a solução jurídica esperada por parte da doutrina e
jurisprudência brasileiras diante de condenações sem pedido
expresso que buscam estabelecer um patamar civilizatório mínimo nas
relações de trabalho, já que a temática referente ao “dumping
social” ainda encontra certo entrave normativo e ideológico no
Brasil.
Por conseguinte, a boa prática
portuguesa merece melhor reflexão pelos juristas nacionais. O
julgamento de relações assimétricas, tal qual as demandas
justrabalhistas, é tarefa por demais complexa, devendo-se entender o
nobre ofício da magistratura do trabalho, principalmente em um
Estado Democrático e Social de Direito, como uma ferramenta de
concretização de direitos fundamentais.
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