Teoria dos círculos concêntricos da esfera da vida privada
A doutrina germânica,
justamente para diferenciar o caráter público do privado, difundiu
a chamada “teoria dos círculos concêntricos da esfera da vida
privada’ ou ‘teoria das esferas da personalidade’, que ganhou
especial destaque a partir da década de 1950, com os renomados
juristas Heinrich Hubmann e Heinrich Henkel, sendo propagada pela
doutrina brasileira pelos doutrinadores Paulo José da Costa Junior,
Pablo Stolze Gagliano e Flávio Tartuce.
O referido arquétipo
epistemológico busca sobremaneira diferenciar o privado, o íntimo,
o secreto e o público. Para tanto, utilizou-se de uma representação
em que se dividiu a esfera da vida privada do ser humano em 3 (três)
círculos imbricados no mesmo centro, de acordo com a densidade de
cada um, sendo que a circunferência externa seria a privacidade, a
intermediária alocaria o plano da intimidade e, por fim, a esfera
mais interna e o menor dos círculos seria exatamente o segredo
(Direito da personalidade à intimidade - Silvio Romero Beltrão).
Destrinchando as camadas,
nota-se que o instituto da privacidade é a circunferência mais
externa e de maior amplitude, abrangendo um grande número de relações
interpessoais, inclusive aquelas mais raras e superficiais. Neste
aspecto, pode-se cogitar em possível interesse público à
informação de tais dados, na medida em que algumas circunstâncias
do indivíduo podem ser consideradas relevantes para a sociedade.
Trata-se, então, de fatos e informações que o indivíduo almeja,
em uma primeira análise, excluir do conhecimento alheio, como a sua
imagem, seus hábitos e costumes.
Já no círculo intermediário,
encontra-se a intimidade ou confidencialidade. Aqui são protegidos o
sigilo domiciliar, o sigilo profissional e algumas comunicações
pessoais. É dizer, portanto, que são aquelas informações mais
restritas sobre o ser humano, compartilhadas com reduzido número de
pessoas de confiança, isto é, ambiente familiar e amigos íntimos.
Por derradeiro, tem-se o círculo
do segredo, o menor e mais oculto deles. São aqueles fatos ou
informações cujo conteúdo o sujeito não deseja dividi-lo, apenas
em restritas circunstâncias. À guisa de exemplos, podemos destacar
as opções sexual, filosófica e religiosa.
Tal teoria não está isenta de
críticas. Apesar das diversas definições ainda persisti a
dificuldade conceitual em delimitar a fronteira entre os círculos da
privacidade, da intimidade e do segredo. Inclusive, no Direito
Alemão, houve superação desta tese na medida em que, para a devida
proteção jurídica, não se pode levar em consideração somente a
natureza das informações, mas também a necessidade e finalidade da
utilização destes dados.
Todavia, ante o didatismo do
referido estudo, é possível aplicá-lo à seara justrabalhista,
mormente no que diz respeito às questões que envolvem revista
íntima, acesso a e-mail pessoal e direitos de personalidade do
trabalhador. Assim sendo, o conceito de intimidade não pode ser
tomado de forma deveras superficial, na tentativa de justificar abuso
do poder diretivo empresarial, devendo-se preservar o resguardo à
confidencialidade do empregado.
Por fim, cita-se julgado
trabalhista a respeito:
O conceito de intimidade
defendido na defesa da reclamada revela-se sobremaneira superficial,
obviamente no intuito de justificar o procedimento abusivo que,
reiteradamente, praticava em relação aos seus funcionários.
A recorrida, empresa de grande
porte, na verdade, tenta justificar, a prática das revistas na
necessidade de defesa de seu patrimônio. No entanto, embora seja
inegável que esse direito de proteção assista à reclamada,
atualmente, diante da existência de tantos métodos alternativos
postos à disposição das empresas e em tempos em que a tecnologia
permite a vigilância 24 horas dos seus bens, através de câmeras,
sensores instalados nas peças de roupa, e outros meios tecnológicos,
afigura-se exercido abusivo do direito, a utilização de outros
métodos que, a toda evidência, revelam-se invasores da intimidade e
dignidade obreira.
Cumpre frisar que, a prática
diária de revista intima ou pessoal, não pode ser convalidada
porque agride a dignidade humana fundamento da República. (CF, art.
l°, III).
O direito do empregador, de
proteger seu patrimônio e o de terceiros termina onde começa o
direito à intimidade e dignidade do empregado. A sujeição da
empregada a ter que abrir, a bolsa diariamente, retira legitimidade à
investida patronal, uma vez que incompatível com a dignidade da
pessoa, com a valorização, do trabalho, humano e a função social
da propriedade, asseguradas pela Constituição Federal (art. 1°,
III e IV, art.5°, XIII, art.. 170, caput e III) e, ainda, porque o
texto constitucional veda todo e qualquer tratamento desumano e
degradante (art. 5°, inciso III), e garante a todos a
inviolabilidade da intimidade e da honra (art. 5°, inciso X ).
Tratando-se de direitos
indisponíveis, não se admite sua renúncia e tampouco, a invasão
da esfera reservada da personalidade humana com a imposição de
condições vexatórias que extrapolam, os limites do bom senso e do
poder de direção, disciplina e fiscalização dos serviços
prestados.
A revista de pertences não pode
ser encarada como regra ou condição contratual, pois, nem mesmo a
autoridade policial está autorizada a proceder dessa forma sem
mandado ou sem que existam suspeitas seguras e razoáveis a respeito
da uma prática delitiva.
A conduta patronal analisada nos
autos, a toda a evidência, subverte o ordenamento jurídico em
vigor, no sentido de que ninguém é culpado senão mediante prova em
contrário (principio da não-culpabilidade), tendo o condão de
fazer recair sobre o trabalhador a pecha de delinqüente em
potencial.
Anote-se, contudo, que, com base
na teoria dos círculos concêntricos, é importante acentuar
que o segredo consiste num aspecto da privacidade que é insito à
condição humana, traduzindo um direito constitucional de exercido
exclusivo de seu titular, sendo deste e de mais ninguém,
pertencendo, portanto, com exclusão de tudo e de todos, somente
podendo ser compartilhado, na via da exceção, e, mesmo assim, em
nome do interesse público, o que não é o caso dos autos.
Ademais, repise-se, atualmente,
existe todo um arsenal de dispositivos para monitoramento do local de
trabalho, capaz de substituir as odiosas e constrangedoras
prospecções de bolsas e vestimentas, mormente numa empresa do porte
da reclamada.
O fato de não existirem mais as
revistas no âmbito empresarial no caso em comento, revelando a
preocupação deste grupo econômico com o componente humano da sua
atividade, não o desonera de ser responsabilizado pelas medidas
constrangedoras antes adotadas.
A tendência atual, tanto da
doutrina quanto da jurisprudência, através da interpretação da
legislação ordinária com embasamento nos princípios
constitucionais protetores da pessoa humana, tem sido no sentido de
condenar tal prática, o que já vem ocasionando a mudança de
atitude das empresas. (TRT-19, RO-1262-25.2011.5.19.0008, Relator:
Pedro Inácio, Julgado em 12 de novembro de 2013).
Entendi toda teoria, no entanto apesar de conhecê-la, especialmente pela matéria muito bem descrita pelo professor Pablo. Não concordo com posicionamento deste magistrado, uma vez que, admitir que uma empresa de grande porte é capaz de buscar formas de fiscalizar a entrada e saída de seus empregados, no que tange a vistoria de seus objetos, não pode ser vista como mero poder diretivo ou mesmo empresarial, uma vez que o empregador além daquelas discussões a respeito da mais-valia, direito inclusive garantido na Constituição, uma vez que nunca se abominou o lucro, também deve garantir a integridade de seus empregados, afinal não é desconhecido eventos em que empregados agridem fisicamente outros, bem como utilizam-se da empresa para venda de produtos ilícitos, por assim dizer. Ponto engraçado é que qualquer empregado ao entrar em um banco ou uma pessoa ao viajar de avião deve passar por uma roleta e muitas vezes deve mostrar tudo que tem no corpo inclusive tendo que tirar peças de roupa. Talvez dizer que pra proteger a coletividade tudo possa ser permitido ou quase tudo, o mesmo não ocorre a grande maioria das empresas, que muitas vezes são vistas como apenas visionárias do lucro e nunca criadoras de emprego. Tal decisão, apresentada no texto, é interessante porém é desesperador imaginar que tudo possa ser feito para garantir direitos do empregado, inclusive interpretação fora daquela disposta nas normas protetivas, em detrimento de um direito que é de todos, afinal garantir apenas o direito de um é indeferir o direito de todos. Discordo de seu posicionamento.
ResponderExcluirOlá!
ExcluirO objetivo da postagem é apenas a exposição dos principais pontos da referida teoria.
Conforme exposto no quadro de avisos contido na coluna esquerda do blog, "é de ressaltar que as postagens aqui veiculadas não refletem necessariamente o posicionamento jurídico deste magistrado em demandas reais a ele submetidas. Os litígios são julgados de acordo com o contexto probatório e com o livre convencimento motivado exposto nas próprias decisões, não vinculando-se às opiniões aqui discutidas."
Apesar da discordância, fico bastante grato com o comentário, pois servirá para enriquecer o debate.
Aos estudos!
Att.
Há um problema. Um supermercado tem mercadorias expostas, à disposição clientes, que escolhem e vão pagar. Se um produto pequeno
ResponderExcluiré posto no bolso ou bolsa de um cliente, alguém o revista ?
Só o empregado é suspeito. A maioria deles é honesta, principalmente porque não querem perder o emprego.