A receptividade da Teoria da Perda de uma chance pelo Direito Brasileiro
Ao
longo do tempo, modificou-se o padrão de indenização em relação
aos danos civis. Antes a utilização do instituto voltava-se mais à
punição do infrator, período no qual não era possível
diferenciar a responsabilidade civil da penal.
Com
a objetivação da responsabilidade e a coletivização dos direitos
fundamentais, buscou-se um maior amparo à vitima do dano pelo
ordenamento jurídico. Assim, a reparação civil passou a ter por
escopo a satisfação integral do dano causado, visando compensar o
lesado pelos sofrimentos ocasionados pelo agente do ato ilícito, sem
gerar um enriquecimento sem causa ao prejudicado.
Vive-se
numa era de incertezas, onde os danos sofridos muitas vezes não são
passíveis de uma comprovação robusta pela vítima. A
vulnerabilidade de algumas relações sociais tem ocasionado uma
procura minuciosa de institutos que supram a falibilidade dos
instrumentos jurídicos existentes.
Nesse
contexto, a teoria da perda de uma chance constitui-se justamente num
modo de possibilitar à vítima o recebimento de alguma reparação,
quando, de acordo com a teoria tradicional, este indivíduo ficaria
desamparado.
Esta
teoria encontrou pouca repercussão no direito brasileiro. Os
doutrinadores tradicionais desenvolveram o tema de forma sucinta,
limitando-se a esboçar seu conceito e exemplificar alguns casos em
que seria possível sua aplicação, por exemplo, na responsabilidade
civil do advogado. Entretanto, ao se analisar a teoria à luz do
direito comparado, observa-se que a doutrina e jurisprudência
estrangeira apresentam grande desenvolvimento na aplicação da perda
de uma chance, sobretudo no direito francês, norte-americano e
italiano.
As
expectativas são fatores de comoção social. Algumas vezes, uma
chance, pela influência psicológica que exerce sobre o indivíduo,
pode representar uma gama de sonhos e esperanças na consecução de
um futuro melhor, ou até mesmo possuir um valor sensorial maior do
que a vantagem final esperada.
A
chance pode ser caracterizada como o patrimônio ínsito de cada
indivíduo consubstanciado na obtenção de uma vantagem futura ou de
se evitar um prejuízo remoto. O próprio fato de viver ou sobreviver
induz necessariamente a ideia de riscos e, por consequência, a perda
de chances de escolhas feitas ao longo da vida. Assim, nunca se
saberá o resultado do processo aleatório no qual a vítima está
inserida, isto é, se a chance restaria infrutífera, apenas como
mera expectativa incerta; ou se a chance resultaria na vantagem final
almejada.
Resta
averiguar, no caso concreto, se as chances perdidas são passíveis
de reparação jurídica. Dois são os critérios apontados pela
doutrina e jurisprudência para a correta aplicação da teoria da
perda de uma chance. O primeiro diz respeito à seriedade das chances
ultrajadas; para que a demanda seja digna de procedência, a chance
deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva.
O segundo, prescreve que a reparação da chance perdida sempre
deverá ser inferior ao valor da vantagem final.
A
natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance
é dúplice, pois pode ser compreendida dentro de um conceito
diferenciado de dano, ou ser um conceito mais alargado do nexo de
causalidade. Assim, divide-se a teoria da perda de uma chance em duas
vertentes: a perda de uma chance clássica, na qual é possível
visualizar um dano autônomo, caracterizado na própria chance
perdida e plenamente independente da vantagem esperada (dano final);
a perda de uma chance vinculada ao nexo de causalidade, nas causas em
que se deve recorrer a um conceito menos ortodoxo de causalidade.
A
perda de uma chance clássica ocorre sempre que o processo aleatório
é interrompido antes do seu final e seja possível, assim, isolar a
perda da chance como um dano autônomo. Não se concede a indenização
pela vantagem perdida, mas sim pela possibilidade real e séria de
consegui-la. Para tanto, a teoria faz uma distinção entre resultado
perdido e as chances vituperadas, relativizando o conceito de dano.
Muito
embora não haja uma previsão expressa quanto à usurpação de
chances, o Código Civil brasileiro possui uma cláusula geral de
conceitos abertos (art. 186) que permite a valoração, pelo
julgador, de danos outros que não estejam tipificados em nosso
ordenamento.
Porém,
da leitura dos artigos 402 e 403 do Código Civil, denota-se a
intenção clara do legislador em admitir somente os prejuízos
efetivos e os lucros cessantes como formas de perdas e danos devidos
à vítima. Assim, quaisquer outras espécies de danos materiais que
não estes devem estar previstos em lei, não cabendo uma
interpretação ampliativa para uma terceira fattispecie.
Nega-se
o enquadramento destas chances como lucros cessantes, posto que a
conduta do réu não é condição necessária para o aparecimento do
dano final, mas apenas para a perda da chance imediata e presente de
auferir a vantagem esperada. Assim, as chances conspurcadas seriam
mais bem classificadas como danos emergentes, já que, por
constituírem o patrimônio da vítima no momento da ação danosa,
equivalem ao prejuízo efetivamente sofrido.
Por
sua vez, a perda de uma chance ligada ao nexo de causalidade é
bastante comum no campo da medicina, muito embora não se restrinja a
esta. Ocorre quando a conduta do ofensor subtrai chances da vítima,
mas o processo aleatório continua a correr e chega a seu fim. Nestes
casos, a doutrina estrangeira entende que é impossível isolar o
dano consubstanciado na chance perdida, pois se no final do processo
aleatório não houvesse o resultado danoso, seria impossível
visualizar alguma possibilidade subtraída. Desta forma, recorre-se à
causalidade parcial ou a uma atenuação do ônus probatório da
causalidade, a fim de indenizar as chances subtraídas da vítima.
Novamente,
ao se analisar o artigo 403 do Código Civil, a condição adequada e
imediata (conditio sine qua non) do nexo causal diz respeito não à
intensidade da conduta danosa, mas à potencialidade negativa desta
no patrimônio jurídico da vítima.
O
próprio parágrafo único do artigo 944 do Código Civil, de forma
indireta, admite a reparação de condutas mínimas e,
consequentemente, abre espaço para uma interpretação mitigada em
relação ao nexo causal. Ora, o liame de causalidade penal é
diferente do liame de causalidade civil, enquanto que o primeiro
exige um grau de certeza quase absoluto entre a conduta e o dano, o
segundo configura-se apenas com a simples propensão danosa da
conduta na formação do ilícito.
Dessume-se,
então, que a causalidade parcial poderá ser utilizada, mesmo que de
forma principal, para atenuar o fardo da vítima em relação à
comprovação do liame causal. Agindo dessa maneira, o julgador
atenderá aos princípios norteadores da responsabilidade civil, além
de indenizar integralmente a vítima, punirá o ofensor e
desestimulará a conduta prejudicial.
A
adoção da teoria pelos tribunais brasileiros analisados neste
trabalho é ainda incipiente. Contudo, da análise de alguns
julgados, denota-se que os tribunais mensuram a indenização de
perda de chances de maneira equivocada, confundindo conceitos e
demonstrando desconhecimento acerca da matéria.
A
jurisprudência não assentou um parâmetro fixo para avaliar a
seriedade das chances perdidas. Por vezes, ocorre a reparação de
danos extremamente hipotéticos, em total desapego aos princípios da
razoabilidade e proporcionalidade. Outras vezes, indenizam-se
equivocadamente as chances conspurcadas, sendo estas enquadradas como
danos morais ou lucros cessantes. Porém, o que mais se nota é o
conservadorismo ainda arraigado quando alguns magistrados se deparam
com o tema, por incúria deixam de prestar a devida tutela
jurisdicional para as verdadeiras vítimas.
Por
fim, em que pese os reiterados erros cometidos, é possível
vislumbrar um gradativo aperfeiçoamento na aplicação da teoria da
perda de uma chance no Brasil. O grande aumento do número de
demandas que envolvem este tema nos últimos anos é reflexo da
repercussão desta teoria entre os operadores jurídicos. Assim,
utilizando-se do modelo estrangeiro como fonte direta para a produção
de soluções domésticas, as chances perdidas são reparáveis,
desde que considerados os critérios fixados e probabilidades de cada
caso concreto.
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