Poluição trabalhista
O meio ambiente do trabalho faz parte do conceito mais amplo de ambiente, de forma que deve ser considerado como bem a ser protegido pelas legislações para que o trabalhador possa usufruir de uma melhor qualidade de vida. Neste viés, percebe-se que o meio ambiente sadio é um direito transindividual por ser um direito de todo trabalhador, indistintamente, e reconhecido como uma obrigação social e constitucional do Estado.
A partir da diretriz que guarda a dignidade da pessoa humana como vetor axiológico de todo o ordenamento jurídico, o meio ambiente do trabalho pode ser concebido não apenas como o local em que se desenvolve a relação contratual trabalhista, como também o conjunto de fatores materiais e imateriais que compõe essa mesma relação, sendo que tais elementos devem visar à manutenção da integridade física e da qualidade de vida do trabalhador (art. 5º, caput, 200, VIII, e 225, caput, da CF/88, aliado ao art. 3º da Lei 6.938/81).
Por outro lado, pode-se definir poluição como qualquer alteração prejudicial ao equilíbrio de determinado meio ambiente. O desrespeito às normas de saúde e segurança do trabalho, além de se caracterizar como infração administrativa e culpa contra a legalidade, resulta em uma grave crise ambiental, a qual se tem alcunhado, nas palavras de João Humberto Cesário, de “poluição trabalhista”.
A referida temática foi abordada com bastante percuciência em julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, a seguir transcrito:
“Com efeito, o meio ambiente de trabalho adequado e seguro é um direito fundamental. Nesse sentido, leciona Raimundo Simão de Melo (2010):
O meio ambiente do trabalho adequado e seguro é um direito fundamental do cidadão trabalhador (lato sensu). Não é um mero direito trabalhista vinculado ao contrato de trabalho, pois a proteção daquele é distinta da assegurada ao meio ambiente do trabalho, porquanto esta última busca salvaguardar a saúde e a segurança do trabalhador no ambiente e em que desenvolve as suas atividades. (MELO, 2010, p.34).
No atual contexto pós-positivista em que se situa o Direito, tem-se entendido cada vez mais que se tratando de lide que versa sobre o meio ambiente de trabalho, não basta a subsunção dos fatos aos artigos 192, 194 e 195 da CLT e tampouco às normas regulamentadoras. Há dispositivos da Lei Fundamental que devem dialogar ativamente com os preceitos legais citados, sobretudo os artigos 7°, XII e artigo 225 da CF. Assim, há necessidade da busca da legalidade substancial que tem em mira a concretização dos princípios constitucionais e, em essência, a valorização da dignidade da pessoa humana no caso sub judice.
Nesse contexto, sublinhe-se o artigo 225 da CF/1988, que ampara o Estado Constitucional Democrático-Ambiental de Direito (CESÁRIO, J.H. Técnica processual e coletiva de interesses ambientais trabalhistas: os provimentos mandamentais como instrumentos de proteção de saúde do cidadão-trabalhador. São Paulo: LTr, 2012.), com toda a plêiade de importantes princípios: desenvolvimento sustentável, precaução, prevenção, poluidor-pagador, ubiquidade etc.
Aliás, conforme escólio do Professor João Humberto Cesário (op cit, p.68):
[...] há de ser ressalvar que o cidadão-trabalhador naturalmente está incluído entre os seres humanos que estão no centro da preocupação com o desenvolvimento sustentável. Assim, é que também ele merece, na perspectiva da preservação da sua inteireza física e mental, a proteção ambiental integrante do processo de desenvolvimento.
Conforme ainda, pontual elucidação do Exmo. Ministro Antonio Herman Benjamin, contida no 1º prefácio da obra escrita a quatro mãos pelos professores Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer, intitulada Direito Constitucional Ambiental - Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente (Ed. RT - 3a ed. - São Paulo):
(...) o compromisso com um ambiente ecologicamente equilibrado há de ser conciliado com a progressiva realização dos direitos sociais, econômicos e culturais, de modo que, no assim chamado Estado de Direito Socioambiental - apoiado nos pilares da função social e ecológica da propriedade, na solidariedade intra e intergeracional e no princípio da proibição de retrocesso -, a noção de progresso e desenvolvimento somente faça sentido na perspectiva de uma sustentabilidade que integra, dinâmica e dialeticamente, os eixos do social, do econômico e do ambiental, de forma que nenhuma das três facetas assuma posição superior. A rigor, o novo paradigma não opera por hierarquia, mas por convergência, o que, claro, não exclui o entendimento de que tudo se faz a favor e por conta da vida, em todas as suas formas e matizes.
Nessa quadra, um dos princípios basilares do Direito Ambiental do Trabalho é o princípio do desenvolvimento sustentável, conformado na tríplice base da equidade social, do desenvolvimento econômico e na preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, possuindo estreita imbricação com o princípio da prevenção, este referente à adoção de medidas que evitem os perigos concretos e conhecidos em determinado ambiente de trabalho.
No caso dos autos, elucido que a ré nem sequer apresentou os documentos básicos para o início de uma razoável política de preservação de um meio-ambiente do trabalho saudável: não apresentou PPRA (que foi apresentado pelo perito), não consta PCMSO, treinamentos, etc. Esa omissão da ré traduz culpa grave, pois a ausência de normas internas de identificação e avaliação dos riscos da atividade demonstra descuido do empregador em relação ao meio ambiente do trabalho e à saúde dos trabalhadores. Hodiernamente, há um notável conjunto de normas protetivas do meio ambiente do trabalho que não foram observadas: Convenções 155 e 161 da OIT, bem como os artigos 7º, XXII e XXVIII e 200 da CF e Lei 6938/1981 (Lei Nacional da Política de Meio Ambiente) e artigo 19, §1º, da Lei 8213/1991 e artigo 157 da CLT.
Assim, a prova dos autos demonstra que a demanda alberga uma importante crise ambiental físico-ergonômica, conforme dizeres de João Humberto Cesário, ou dito de outra forma um caso típico de poluição trabalhista, entendida esta como desequilíbrio do meio ambiente laboral e que conspurca contra a saúde do trabalhador. Não deve causar espécie a adoção do conceito de poluição ao meio ambiente do trabalho. Conforme leciona o Professor da PUC-SP, Dr. Marcelo Abelha (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo Civil Ambiental - 3ª Ed. ver. e Atual. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 19-21) a poluição deve ser definida como todo e qualquer desequilíbrio do meio ambiente causado por atividade do ser humano:
A atividade deve ser entendida em seu conceito lato: deve compreender tanto as atividades lícitas ou ilícitas, tanto a prestação de serviços, quanto à produção de bens; tanto as atividades econômicas, quanto às puramente sociais. Enfim, o conceito é bastante largo e assim deve ser compreendido.
Na obra que surge como um paradigma do Direito Ambiental do Trabalho, intitulada Técnica Processual e Tutela Coletiva de Interesses Ambientais Trabalhistas, João Humberto Cesário elenca as crises ambientais trabalhistas - que sem dúvida constituem poluição trabalhista -, abordando de forma didática e pontual as possibilidades de violação do meio ambiente do trabalho sadio e de qualidade:
a) crises ambientais de dimensão desumanizante: são aquelas conspurcam a dignidade do obreiro com intensidade suficiente para reduzi-lo à condição de coisa (reificação).
b) crises ambientais de dimensão físico-ergonômica: são aquelas estreitamente relacionadas às situações de insalubridade e periculosidade, bem como à ausência de condições de trabalho ergonomicamente adaptadas ao trabalhador;
c) crises ambientais de dimensão psíquico-moral: relacionadas à forma abusiva do exercício do poder de mando no ambiente empresarial que gera permanente tensão, criando o clima de terror psicológico no trabalho.” (TRT9; RO-00814-2012-242-09-00-5; Relatora: Desembargadora Ana Carolina Zaina; Acórdão 28092/2013; publicado no DEJPR 16/07/2013)
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