Relativização da coisa julgada
Como apanágio do princípio constitucional da segurança jurídica, a autoridade da coisa julgada é a situação jurídica consistente na imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo da sentença, refletindo a força coercitiva final do provimento jurisdicional (final enforcing power). Assim, a eficácia preclusiva do instituto propaga-se de forma endoprocessual e exoprocessual, impedindo que outra demanda seja instaurada para rediscutir o mesmo litígio.
Entretanto, hodiernamente, em razão da existência de comandos sentenciais injustos e inconstitucionais, tem-se admitida a desconsideração ou relativização da coisa julgada material. Assim, ante um ato sentencial injusto e até inconstitucional, a coisa julgada material, mesmo após o prazo decadencial da ação rescisória, não pode subsistir, justamente por implicar em um atentado contra os valores fundamentais de um Estado Democrático de Direito.
Há certa cizânia na doutrina quanto à possibilidade de relativização da coisa julgada. Uma primeira corrente, de índole mais restritiva, representada por autores como Barbosa Moreira e Guilherme Marinoni, defende a intangibilidade da coisa julgada material, mesmo em casos de inconstitucionalidade, já que se deve primar pela segurança jurídica e pacificação dos litígios, havendo inclusive obstáculos processuais para a mitigação do instituto, como se pode observar do disposto nos artigos 471 e 474 do CPC, que impedem que qualquer juiz, após o trânsito em julgado da sentença, aprecie questões já resolvidas. Outra corrente, capitaneada por Humberto Theodoro Júnior e Cândido Rangel Dinamarco, a partir de uma interpretação prospectiva, obtempera que o manto da coisa julgada não pode subsistir diante de sentenças que padecem de vício de inconstitucionalidade, uma vez que não guardam conformação lógica com o sistema jurídico constitucional, o que autoriza a mitigação do comando sentencial por meio de ação rescisória ou de “querela nullitatis”. Alterações na legislação processual reforçam esta corrente, conforme se pode notar pela redação dos artigos 884, § 5°, da CLT; 475-L, § 1°, do CPC; e 741, parágrafo único, do CPC.
Enfim, a segunda corrente parece mais se amoldar à recente dinâmica de neoconstitucionalismo, justamente pelo fato de todo e qualquer ato estatal ser considerado válido apenas quando encontrar-se de acordo com a Constituição Federal. A relativização da coisa julgada faz-se necessária somente para evitar a imutabilidade de sentenças de mérito proferidas contrariamente às normas e princípios constitucionais, e não toda e qualquer sentença considerada injusta. Segundo, o princípio da Supremacia da Constituição, todas as normas que integram a ordenamento jurídico só serão válidas caso se conformarem com as normas da Constituição Federal. Desse modo, qualquer ato praticado em contrariedade às normas constitucionais é maculado pelo vício da inconstitucionalidade, devendo ser desconsiderado do mundo jurídico.
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