Litigância de má-fé - Condenação solidária do advogado
A
litigância de má-fé se caracteriza como o abuso do direito de
litigar, no qual a parte transgride deveres de probidade e lealdade
processuais, reduzindo os escopos sociais do processo a meros
instrumentos de satisfação de seus interesses. Da leitura do art.
17 do CPC, nota-se que a conduta do “improbus litigator” revela
uma intenção malévola e pusilânime de causar dano processual à
parte adversa, devendo ser combatida por todos os atores processuais.
O
advogado, por representar uma das funções constitucionais
essenciais da justiça, é inviolável por seus atos e manifestações
no exercício da profissão, nos limites da lei. Quando em juízo,
assim como qualquer outro profissional, deve agir de forma ética e
ilibada, sempre com o intuito de promover uma dialética processual
democrática, proveitosa e justa.
No
caso de lide temerária, na qual se constata conluio entre cliente e
advogado para lesar a parte contrária, têm-se duas posições
jurisprudenciais e doutrinárias acerca da responsabilização do
advogado pelo ato de litigância de má-fé.
A
primeira, majoritária diga-se de passagem, por meio de uma
interpretação literal da seção II do CPC e do art. 32 da Lei
8.906/94, obtempera que a pena por litigância de má-fé deve ser
aplicada à parte e não ao seu advogado, devendo eventual desvio de
ética do causídico ser apurado em ação própria e autônoma.
Colaciona-se os seguintes arestos:
“RECURSO DE REVISTA - CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DE ADVOGADO - SIMULAÇÃO DE LIDE - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. A previsão expressa no parágrafo único do art. 32 da Lei nº 8.906/94 é a de que a conduta temerária do advogado em juízo deve ser apurada em ação própria. Em se tratando, pois, de matéria que conta com regência específica, não cabe ao juízo, a despeito de positivada a litigação de má-fé, desconsiderar a disposição legal e impor de imediato ao profissional do Direito que protagoniza litigação temerária a responsabilidade solidária pelo pagamento da multa correspondente, mas apenas determinar a extração de peças e a respectiva remessa à Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, para as providências cabíveis. Portanto, a condenação do advogado à pena imposta ao litigante de má-fé e àquele que pratica ato atentatório à dignidade da Justiça deve observar o devido processo legal, sendo-lhe assegurados o contraditório e a ampla defesa. No caso em exame não foram observados tais preceitos, de modo que a decisão regional incorreu em ofensa direta e literal a dispositivo da Constituição Federal, autorizando o conhecimento e provimento do recurso de revista, para determinar a exclusão da condenação solidária do advogado. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST; RR-205-43.2011.5.04.0281; Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho; Julgamento: 22/05/2013).
“RECURSO DE REVISTA. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO ADVOGADO. ART. 32, PARÁGRAFO ÚNICO, LEI N.º 8.906/94. A previsão expressa no parágrafo único do art. 32 da Lei n.º 8.906/94 é que a conduta temerária do advogado em juízo deve ser apurada em ação própria. Em se tratando, pois, de matéria que conta com regência específica, não cabe ao juízo a imposição, de imediato, ao profissional do Direito que protagoniza litigância temerária, a responsabilidade pelo pagamento da multa correspondente. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido.” (TST; RR-501-54.2011.5.03.0132; Relatora: Maria de Assis Calsing; Julgamento: 23/10/2013).
“INDENIZAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO ADVOGADO. IMPOSSIBILIDADE. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 32 DA LEI Nº. 8.906/1994. IMPRESCINDIBILIDADE DE AÇÃO PRÓPRIA. 1. O art. 18 do CPC atribui apenas à parte a responsabilidade pelos danos processuais delas derivados. 2. A responsabilização solidária do advogado na hipótese de litigância maliciosa exige a verificação da ocorrência de conluio entre o cliente e seu patrono em ação própria a essa finalidade, nos termos do parágrafo único do art. 32 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. Nesse contexto, é defeso ao magistrado, nos próprios autos do processo em que teria sido praticada a suposta conduta de má-fé ou temerária, condenar o patrono da parte nas penas a que se refere o art. 18 do CPC. Recurso de revista conhecido e provido, no tema.” (TST; RR-238000-77.2008.5.02.0017; Relator: Hugo Carlos Scheuermann; Julgamento: 11/09/2013).
Já
a segunda vertente, utilizando-se de uma interpretação sistemática
e teleológica das normas atinentes, propala a condenação solidária
da parte e do advogado nos mesmos autos em que verificado o dano
processual. Nesse sentido:
“LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DE ADVOGADO. Restando provado que a reclamante deduziu em juízo pleito fundamentado em fato inverídico, e sendo certo que tal conduta teve influência direta de seu patrono, já que resultou do trabalho intelectual deste, embora ciente de toda a verdade, impõe-se, de ofício, a sua responsabilização solidária por litigância de má-fé, objetivando desestimular o ajuizamento de ações infundadas, nos termos do artigo 32, parágrafo único da Lei nº 8.906/94” (TRT18; RO-00311-2005-054-18-00-5, Relator: Saulo Emídio dos Santos, DJE nº 14.619 de 18/10/2005, pág. 50).
“LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. MULTA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ADVOGADO. CONDENAÇÃO NOS MESMOS AUTOS EM QUE VERIFICADA. Caracterizada a litigância de má-fé, a parte e o seu representante em juízo devem ser declarados litigantes de má-fé, conquanto a atitude reprovável tenha sido praticada pelo advogado da parte com a sua aquiescência. A capacidade postulatória está intimamente ligada com a capacidade de a parte estar em juízo. Não se cogita de responsabilidade presumida, vedada por lei, conquanto a co-autoria atraia a responsabilidade solidária pelo mal-feito; sejam solidários o mandante e seu preposto, ainda que sem culpa aquele, ante a prática de ato ilícito, que, ademais, adotou por princípio a integração de suas normas pelo comando sentencial, em busca de justiça equânime.” (TRT18; RO-00086-2008-008-18-00-9; Relatora: Ialba Luza Guimarães Mello; Publicação: DJE de 6.5.2008).
“LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO ADVOGADO. PLEITO DE VERBAS SABIDAMENTE INDEVIDAS OU JÁ PAGAS. Em que pese a farta jurisprudência no sentido de que a má-fé do advogado deve ser apurada em autos próprios, tal providência torna-se desnecessária quando o Juiz verificar essa circunstância na própria Reclamação Trabalhista. Assim, constatado que a verdade dos fatos foi alterada com o fim de usar do processo para conseguir verbas indevidas, procedendo de forma temerária, aplico, de ofício, à Reclamante e, solidariamente, a seu advogado, a multa por litigância de má-fé no importe de 1% sobre o valor da causa, pois a litigância de má-fé é matéria de ordem pública, portanto, não pode ser aceita com normalidade ou complacência, devendo ser imputada inclusive ao causídico, de forma a desestimular a prática que ora se apresenta.” (TRT23; RO-00698.2007.071.23.00-0; Publicado em: 27/06/08; Relatora: Leila Calvo).
“LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. MULTA. RESPONSABILIDADE. ADVOGADO. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA COM A PARTE NOS MESMOS AUTOS EM QUE É VERIFICADA. CABIMENTO. Lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. (LICC, art. 2o, § 1o). O art. 32, parágrafo único da Lei n. 8.906/94 - EA, no que toca a necessidade de processo próprio para o fim em epígrafe, foi tacitamente revogado pela Lei nº 9.668/98, que deu nova redação ao art. 18, do CPC, permitindo a condenação, nos mesmos autos, pela litigância de má-fé. Caracterizada a litigância de má-fé - art. 17 do CPC, a parte e o seu representante em juízo devem ser declarados litigantes de má-fé, conquanto a atitude reprovável tenha sido praticada pelo advogado da parte com a sua aquiescência. A capacidade postulatória está intimamente ligada com a capacidade da parte estar em juízo. Não se cogita de responsabilidade presumida, vedada por lei, conquanto a co-autoria atraia a responsabilidade solidária pelo mal-feito - art. 942, fine; sejam solidários o mandante e seu preposto, ainda que sem culpa aquele - art. 932 e 933; e também os co-autores, ante a prática de ato ilícito - art. 942, todos do novel CCB, que, ademais, adotou por princípio a integração de suas normas pelo comando sentencial, em busca de justiça equânime.” (TRT18; RO-00576-2005-052-18-00-0, Relator: Eugênio José Cesário Rosa, DJE nº 14.749, Seção 2, págs. 63/68, de 03/05/2006).
Entendemos,
apesar da robustez da tese majoritária, que o acerto está com a
segunda vertente, justamente por se tratar daquela que mais satisfaz
a busca de um processo leal e democrático, no qual a paridade de
armas resulta em um dever mútuo de colaboração e confiança de
todos os atores processuais, inclusive o advogado, na consecução de
uma ordem jurídica justa.
Destarte,
servindo-se o patrono de expedientes configuradores de chicana
processual, ocasionando danos à parte adversa, deve ser
responsabilizado solidariamente pelos atos desleais praticados,
mormente em se tratando de lide que contenha parte que não possua
capacidade técnica ou jurídica para avaliar o trabalho prestado
pelo profissional contratado.
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