Assédio processual na Justiça do Trabalho
O
sistema processual moderno busca estabelecer o amplo acesso do
cidadão à uma ordem jurídica justa, indene de aparatos
burocráticos e conjugada com uma prestação jurisdicional efetiva e
célere. Assim, princípios processuais vigentes, como a função
social do processo e a duração razoável do processo, induzem a
formação de um regime de cooperação que deve existir entre todos
os participantes da relação processual na busca por resultados
justos, na solução adequada e tempestiva dos conflitos de
interesses e na administração da justiça.
O
assédio processual consiste no exercício abusivo de faculdades
processuais com a finalidade de prejudicar a função social do
processo com medidas insidiosas, procrastinatórias e desleais. A
conduta desleal e reiterada do litigante não atinge apenas a
dignidade da parte adversa, mas também toda uma dinâmica processual
socializante calcada no devido processo substancial.
Este
atentado contumaz contra o processo judicial democrático
caracteriza-se por uma reiteração de atos, não necessariamente
ilícitos, praticados por um dos atores processuais, com o fim de
minar uma dialética processual célere e eficaz, aumentando a carga
de trabalho dos órgãos judiciários e despesas públicas com
diligências inúteis. Como uma espécie de assédio moral, o
prejuízo verificado não necessita de prova do dano, já que decorre
do próprio ato pusilânime do agente assediador, isto é,
encontra-se “in re ipsa”.
Ante
a sua proximidade, urge distinguir as figuras do assédio processual
e da litigância de má-fé. A litigância de má-fé caracteriza-se
pela prática de ato ilícito com o fim de obter vantagem processual
e contém suas hipóteses de caracterização, expressa e
casuisticamente, previstas em lei (arts. 17 e 600 do CPC), inclusive
em relação ao valor estipulado para as correspondentes multas. O
assédio processual, por sua vez, não deixa de ser também uma
litigância maliciosa do agente, contudo mais ampla porque
caracterizada pela sucessão intensa de atos processuais que, em
conjunto, sinalizam para o propósito deliberado e ilícito de
obstruir ou retardar a efetiva prestação jurisdicional e prejudicar
a parte ex-adversa. No caso do assédio não há multa, mas a fixação
de uma indenização que possa reparar os prejuízos materiais e
compensar os danos morais decorrentes.
Por
outro lado, para que se possa combater a prática de assédio
processual, pode-se utilizar de mecanismos preventivos e repressivos.
Os primeiros, consubstanciados nos escopos sociais e políticos da
jurisdição, enfeixam medidas prévias de educação e cultura
jurídicas que possibilitem o apaziguamento de relações
conflituosas, antes da intervenção judicial, como, por exemplo, as
intenções de reformas processuais espelhadas no 2º Pacto
Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais acessível,
ágil e efetivo. Em relação aos segundos, quando verificada a
prática assediadora, é possível a condenação, mesmo de ofício,
em indenização por danos morais, visando não só compensar a parte
contrária, mas também resguardar a dignidade do processo.
Colhe-se
o seguinte da jurisprudência:
"ASSÉDIO PROCESSUAL – ABUSO DE DIREITO SUBJETIVO NO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO – CONDUTA DOLOSA A PREJUDICAR A PARTE CONTRÁRIA E A EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL TEMPESTIVA E ADEQUADA – SANÇÃO PECUNIÁRIA: Incorrendo em conduta dolosa e reprovável a parte dentro de uma relação jurídica processual, utilizando-se das faculdades processuais de forma dissimulada, procedendo, ainda, de modo temerário a provocar incidentes manifestamente infundados e extrapolando os limites razoáveis de direito subjetivo ao contraditório e ampla defesa, com o escopo não só de obstaculizar a entrega da prestação jurisdicional, mas também causar prejuízo à parte contrária, devida sanção pecuniária pela dilação processual dolosa." (TRT15; RO-0000994-43.2010.5.15.0096; Relatora: Elency Pereira Neves; Publicação: 17/08/2012).
"ASSÉDIO PROCESSUAL. CARACTERIZAÇÃO. O assédio processual é uma espécie do gênero assédio moral. Enquanto esse ocorre no âmbito do trabalho, aquele se situa no âmbito forense. Se caracteriza nos atos materializados e que vão de encontro à celeridade, retardando o cumprimento das obrigações e concretização da prestação jurisdicional, aviltando a boa-fé e lealdade processuais, no manifesto abuso de direito e propósito de prejudicar a parte contrária, quando não, de tentar obter vantagem ilícita, afrontando as decisões judiciais, a lei, a Constituição, e, com isso, o próprio interesse público e, em última instância, o Poder Judiciário e o Estado Democrático de Direito, muitas vezes convicto o assediador quanto à impunidade ou mesmo na insignificância das penalidades postas na legislação a lhe alcançar, por litigância de má-fé, insurgindo-se contra o próprio processo, conquanto instrumento ético, sendo certo que assim afronta, literalmente, a garantia constitucional de sua razoável duração (art. 5º, inc. LXXVIII, da CF/1988) , o que ainda vai de encontro ao que preconiza o art. 3º da Carta Federal, nos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que passam pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I), a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação (inciso IV), assegurando o seu art. 5º, caput, a igualdade de todos perante a lei, além de asseverar o artigo 170, caput, que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por finalidade possibilitar uma digna existência, calcada nos parâmetros da verdadeira justiça social, que se sustenta no primado do trabalho de cada cidadão." (TRT5; RO-01224-2008-016-05-00-2; Relatora: Margareth Rodrigues Costa; Publicação: 15/10/2009).
"ASSÉDIO PROCESSUAL – TERCEIRIZAÇÃO ILÍTICA – FRAUDE Á VEDAÇÃO DE CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO – LITIGAÇÃO DE MÁ-FÉ – A utilização da merchandage constitui fraude à própria imposição constitucional de arregimentação de trabalhadores pela via do certame público. Na verdade há dois ilícitos praticados. O primeiro de ordem constitucional, o outro de ordem infraconstitucional, ao perpetrar terceirização ilegal. Nessa ordem de ideias, a alegação da CEF constitui verdadeiro assédio processual, pois se vale de patente desvio hermenêutico, para descumprir a Constituição da República. A prática do assédio processual deve ser rechaçada com toda a energia pelo Judiciário. Os Tribunais brasileiros, sobretudo os Tribunais Superiores, estão abarrotados de demandas retóricas, sem a menor perspectiva científica de sucesso. Essa prática é perversa, pois além de onerar sobremaneira o erário público – dinheiro que poderia ser empregado em prestações do Estado – torna todo o sistema brasileiro de justiça mais lento e por isso injusto. Não foi por outro motivo que a duração razoável do processo teve de ser guindado ao nível constitucional. Os advogados, públicos e privados, juntamente com os administradores e gestores, têm o dever de se guiar com ética material no processo. A ética formal já não mais atende aos preceitos constitucionais do devido, eficaz e célere processo legal. A construção de uma Justiça célebre eficaz e justa é um dever coletivo, comunitário e vinculante, de todos os operadores do processo. A legitimação para o processo impõe o ônus público da lealdade processual, lealdade que transcende em muito a simples ética formal, pois desafia uma atitude de dignidade e fidelidade material aos argumentos. O processo é um instrumento dialógico por excelência, o que não significa que possa admitir toda ordem de argumentação." (TRT3; RO-00760-2008-112-03-00-4; Relator: José Eduardo de Resende Chaves Júnior; Publicação: 21/02/2009).
Enfim,
o assédio processual, uma vez caracterizado, deve ser robustamente
reprimido por todos os atores judiciais, justamente para viabilizar a
entrega célere e eficiente da prestação jurisdicional e combater
os entraves da morosidade judicial não admissível em um Estado
Democrático de Direito.
Leia
mais:
http://jus.com.br/artigos/12003/reflexoes-sobre-a-morosidade-e-o-assedio-processual-na-justica-do-trabalho
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